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Insegurança alimentar afeta Angola

Johannesburgo, África do Sul, 17/5/2012 – Milhões de famílias pobres de Angola não têm certeza de levar algo à boca três vezes ao dia, devido a uma prolongada seca que destruiu colheitas e matou gado em vastas áreas do país. Estima-se que cerca de 500 mil crianças sofrem desnutrição severa por culpa do colapso da produção alimentar em razão da seca registrada no primeiro trimestre do ano. Nas comunidades mais afetadas estão sendo instalados centros de alimentação de emergência.

As centrais provinciais de Huambo, Bie e Benguela, e de Zaire, ao norte, são as mais prejudicadas, mas em todo o território nacional sofrem tanto os pequenos como os grandes agricultores. Os rendimentos agrícolas cairam até 70% em vários lugares. Algumas reportagens informam que há agricultores de subsistência que abandonam suas terras em busca de emprego em povoados e cidades para alimentar suas famílias. Além disso, os grandes estabelecimentos rurais comerciais demitem funcionários porque já não há o que colher.

Apesar da enorme riqueza petrolífera de Angola e do prognóstico do Fundo Monetário Internacional (FMI), que prevê expansão de 9,7% do produto interno bruto este ano, quase dois terços das famílias rurais vivem com menos de US$ 1,75 por dia. Mais de quatro décadas de guerra (1961-2002) deixaram o país com um dos índices de mortalidade infantil mais altos do mundo: 20% das crianças morrem antes de completar cinco anos. A dieta de má qualidade é um fator crucial dessa mortalidade, e, segundo a última Pesquisa Nacional de Nutrição, realizada em 2007, quase 30% dos menores de cinco anos sofrem alguma atrofia, mais de 8% de emagrecimento extremo, e cerca de 16% têm baixo peso.

Koen Vanormelingen, representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Angola, explicou que a má colheita deste ano já fez vítimas entre as crianças mais vulneráveis. “Esta população já vivia no limite e fazia um grande esforço para sobreviver, mas, enquanto antes tinha uma dieta variada de três refeições por dia, agora tem apenas uma, talvez duas, e restrita a uma seleção muito pobre de mandioca e bananas”, detalhou Vanormelingen. “É uma situação muito séria e estamos muito preocupados porque vemos um aumento significativo da desnutrição e da mortalidade em razão da desnutrição”, acrescentou.

O governo destinou US$ 43 milhões a uma campanha de emergência, que incluirá distribuição de alimentos, água, sementes e outros insumos agrícolas para ajudar os agricultores. Além disso, foram importadas 40 toneladas de um alimento reforçado à base de amendoim, com apoio da Fundação Clinton. O carregamento está pronto para ser enviado aos centros de alimentação de emergência que estão sendo instalados em todo o país.

“Isto não é fome, mas insegurança alimentar”, esclareceu Vanormelingen. “Há comida disponível. O problema é que, como não se produz tantos alimentos, é preciso comprar mais”, afirmou. “Como sua produção diminuiu, sua renda também caiu, e então não têm dinheiro para comprar alimento. Como a oferta cai e a demanda aumenta, os preços estão subindo, em alguns casos em até 100%”, apontou.

Este colapso da agricultura é um importante revés para Angola, que tenta desesperadamente insuflar brios a esse outrora pujante setor, destruído por décadas de guerra. Para estimular a produção, no ano passado o governo lançou um programa de microcréditos no valor de US$ 150 milhões, destinado aos pequenos agricultores para que pudessem comprar sementes e fertilizantes. Porém, agora que os rendimentos são tão baixos, muitas famílias lutam para pagar as dívidas.

A União Nacional de Associação de Camponeses Angolanos, que reúne as cooperativas agrícolas, informou que o governo ajudará quanto aos pagamentos com os bancos comerciais que concederam os empréstimos. No entanto, Belarmino Jelembi, diretor da Ação para o Desenvolvimento Rural e o Meio Ambiente, alertou que “o governo tem de ser extremamente cuidadoso nesse manejo, porque, se não o fizer bem, todo o programa poderá fracassar. Temos que fazer mais para apoiar os pequenos agricultores com ferramentas básicas de irrigação, assim não dependerão tanto das chuvas”, opinou.

Abrantes Carlos, diretor provincial do Ministério da Agricultura em Benguela, onde cerca de cem mil famílias estão em insegurança alimentar, concorda que são necessários mais sistemas de irrigação sustentável. “Na província temos grandes rios, mas não estamos administrando nossos fornecimentos e não temos dados precisos sobre quanta água há disponível”, declarou à IPS. Segundo o diretor provincial, a falta de água na província, onde muitos rios secaram, foi a pior da área em 30 anos, e pela primeira vez desde o fim da guerra, em 2002, se planejou a ajuda alimentar às famílias.

“Neste momento a população ainda tem alimentos, mas é provável que nos próximos três meses a situação piore”, alertou Carlos. O governo ajuda a perfurar novos poços para encontrar água, e também distribui sementes para cultivos que podem crescer nos meses mais frios, como forma de melhorar a perspectiva da próxima colheita, acrescentou. Jelembi saudou o compromisso das autoridades em matéria de ajuda, mas advertiu que “vemos muitos anúncios sobre o que o governo fará para ajudar a população afetada, e na prática não se vê grande coisa”. Envolverde/IPS