Apesar de rara, doença requer cuidados especiais
Quando o poeta espanhol Pedro Calderón de La Barca fez a seguinte citação “Amor, dinheiro e dores não se escondem”, seguramente não passou pela sua cabeça que a dor, pelo menos a física, não atinge a todos. Cortar o dedo sem sentir absolutamente nenhum incômodo ou jogar uma partida de futebol, torcer o tornozelo, e ainda assim sair ileso da situação podem representar características raras, mas reais, de uma doença pouco conhecida, a Insensibilidade Congênita à Dor.
Os casos diagnosticados no Brasil são poucos, apenas cinco, mas o Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas de São Paulo estima que existam por volta de 30 pessoas no País que não sentem dor. A escassez de informações sobre a patologia dificulta a confirmação de outros quadros dessa incapacidade. O que se sabe é que a causa pode ser genética, de nascença, e ocasionada por perturbações neurocerebrais, embora existam relatos de sua origem decorrentes de traumatismos cerebrais, mas são ainda mais incomuns do que a enfermidade em si, segundo a Dra. Andrea Portnoi, psicoterapeuta e coordenadora da Liga de Dor do Hospital das Clínicas de São Paulo.
A principal teoria formada em relação ao seu surgimento, segundo a psicoterapeuta, é a hipótese da doença estar relacionada ao retardo mental. “Na verdade, este tema é muito discutido, pois os indivíduos com algum atraso no intelecto são incapazes de demonstrar a dor, o desconforto. No entanto, é apenas uma suposição, não podemos afirmar esse parâmetro conclusivamente”.
A dor é o principal alerta que o corpo faz ao indicar que algo está errado com a parte física. Anos atrás, com a falta de conhecimento dos médicos e principalmente dos pacientes, a expectativa de vida era baixa, não ultrapassava os 20 anos de idade. Hoje, a realidade é outra. A criança normalmente já nasce com a insensibilidade e os pais precisam estar atentos e preparados para perceber e lidar com o filho que não demonstra nenhum sinal de dor ou não chora após um machucado, um corte ou uma torção. A doença mobiliza toda a família e requer cuidados durante todo o processo de compreensão e apoio ao jovem.
Ao menor sinal de desconfiança da doença, um neurologista deve ser procurado imediatamente para que o exame clínico e os testes neurológicos sejam feitos, a fim de descartar outras hipóteses, pois uma pessoa pode não sentir dor por alguma alteração das vias de transmissão. A partir das primeiras recomendações, fica claro que a criança precisa aprender alguns truques e relatar aos pais e ao especialista toda e qualquer atividade do seu dia. Assim, o tempo passa e o jovem se transforma em um adolescente que requer mais cuidados que os amigos, porém, nada o impede de levar uma vida normal.
Excesso de proteção e vida social
Esta condição rara dá lugar a preocupação excessiva que os pais têm com a saúde e bem-estar. O zelo em abundância não ajuda, muito pelo contrário, atrapalha o paciente, que cresce acreditando que não pode ser como os outros alunos da escola, vizinhos e primos da mesma idade. As crianças, segundo a Dra. Andrea Portnoi, podem frequentar normalmente a escola, mas é fato que algumas recomendações devem ser tomadas pela família. “O colégio e os professores devem ser avisados do problema e a instituição deve liberar o fácil acesso dos pais ao ambiente escolar. O jovem é uma criança como outra qualquer que fala, anda, come, só não sente dor”, ressalta a psicoterapeuta.
Durante a infância, os pais são a peça fundamental para resolver este quebra-cabeça, juntamente com o acompanhamento psicológico e uma relação franca, ao explicar ao jovem, ainda criança, os detalhes e limitações de sua doença. A insensibilidade congênita à dor não tem cura, mas seu controle permite aos portadores trabalhar, estudar, se casar e ter filhos. “Uma das minhas pacientes acaba de concluir um doutorado em Biologia. Ela é casada, mãe de um menino e uma menina e aprendeu a conviver com a patologia. Os obstáculos superados provam que uma pessoa que não sente dor pode ser muito feliz”, comenta a Dra. Andrea.
Alguns grandes hospitais do País já oferecem suporte para este tipo de tratamento e para auxiliar na busca de informações tanto para médicos quanto para as vítimas, a psicoterapeuta indica o site dos Psicólogos da Dor – www.psicologosdador.com.br, voltado para a população em geral.