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Inundações fazem renascer a solidariedade nos Bálcãs

“Sim, podemos”, pode-se ler em uma imagem com as bandeiras das repúblicas da antiga Iugoslávia, que circula nos Bálcãs por emio do Facebook.
“Sim, podemos”, pode-se ler em uma imagem com as bandeiras das repúblicas da antiga Iugoslávia, que circula nos Bálcãs por emio do Facebook.

 

Belgrado, Sérvia, 22/5/2014 – A região dos Bálcãs vive uma das piores primaveras de sua história, depois que 47 pessoas morreram nas mais graves inundações em 120 anos e dezenas de milhares de bósnios, croatas e sérvios foram evacuados em questão de dias na primeira quinzena deste mês. “Esse é o pior desastre do pós-guerra na Bósnia”, afirmou a jornalistas, no dia 19 em Saravejo, o presidente da Bósnia-Herzegovina, Bakir Izetbegovic. No dia anterior, o primeiro-ministro sérvio, Aleksandar Vucic, qualificou as inundações de fato “histórico” e “catastrófico”.

Os meteorologistas na Bósnia, Croácia e Sérvia concordam que, em apenas três dias, entre os dias 13 e 17, as chuvas torrenciais sem precedentes na antiga Iugoslávia derramaram o equivalente a três meses de chuvas na região. Izetbegovic assegurou que o desastre causou “o maior movimento de população na Bósnia desde a guerra” que fragmentou as ex-repúblicas iugoslavas entre 1991 e 1995.

As inundações deslocaram dezenas de milhares de pessoas na Bósnia, com quatro milhões de habitantes, em questão de dias, na medida em que suas casas desapareciam debaixo da torrente dos rios ou em um dos três mil deslizamentos de terra nas regiões afetadas. Cerca de um milhão de pessoas estão sem água potável, acrescentou.

Na Sérvia, mais de 30 mil pessoas foram evacuadas de Obrenovac, 33 quilômetros a sudoeste de Belgrado. A cidade abriga a usina de energia nuclear Nikola Tesla, que fornece eletricidade para metade do território sérvio. Todas as áreas afetadas na Bósnia, Croácia (que tem dez mil evacuados) e Sérvia ficam ao longo do rio Sava, que os antigos livros de geografia descreviam como “o rio que une as nações da Iugoslávia”.

Parece até que o rio está cumprindo essa função novamente, embora a Iugoslávia não exista desde 1991. “Fiquei surpreso ao ver um homem vestindo um uniforme que não era sérvio, agitando as mãos, me chamando para subir em um bote”, contou Ivica Marjanovic, de 63 anos, evacuado no final de semana de Obrenovac. “Só quando falou me dei conta de que era croata. Sorriu, também sorri e subi no bote. Não esperava que um croata me salvasse”, contou à IPS em um dos centros esportivos de Belgrado usados como abrigos.

As guerras desintegraram a Iugoslávia depois que a Sérvia se opôs à independência de Bósnia, Croácia e Eslovênia. No conflito, perderam a vida mais de 120 mil pessoas, na maioria não sérvios. Mas os tempos mudaram e foram eslovenos e croatas, junto a macedônios e montenegrinos, os primeiros a socorrer as regiões inundadas de Bósnia e Sérvia.

“Tivemos uma experiência singular”, apontou à IPS um piloto de helicóptero da Eslovênia que não quis se identificar. “Levamos uma mulher de Obrenovac a um hospital em Belgrado e uma hora mais tarde ela deu à luz um bebê saudável. Somos profissionais, estamos acostumados a esse tipo de coisas, mas de alguma forma é diferente quando estamos na Sérvia, do que, digamos, na Itália. Talvez as raízes comuns tenham a ver com isso”, acrescentou.

Eslovênia e Croácia enviaram à Sérvia 30 membros de suas equipes de resgate em helicópteros, com botes infláveis, bombas de água e equipamentos para filtrar água. Os macedônios enviaram alimentos de longa duração e caminhões com água engarrafada para as áreas inundadas. Montenegro despachou uma unidade militar que participou, junto com a polícia Sérvia e as forças armadas, da evacuação da área mais afetada de Obrenovac, na Sérvia. A Autoridade das Estradas da Croácia anunciou que os veículos que transportavam ajuda humanitária para as áreas inundadas não pagaram pedágio.

“Isso não é nenhuma surpresa, essa solidariedade”, afirmou Goran Svilanovic, secretário-geral do Conselho de Cooperação Regional, organização que supervisiona os esforços para melhorar a cooperação e a reconciliação na extinta Iugoslávia. “Seria apropriado que todas as nações afetadas por inundações trágicas tomassem medidas conjuntas diante da União Europeia e pedissem ajuda financeira. Não seria efetivo ir em separado à UE”, destacou à IPS.

A Sérvia é candidata a ingressar na UE, enquanto Bósnia-Herzegovina ainda não chegou a essa etapa. Croácia e Eslovênia já fazem parte da família de 28 membros do bloco europeu. A ideia de Svilanovic teve o apoio da porta-voz do parlamento sérvio, Maja Gojkovic, que afirmou aos meios de comunicação sérvios, no dia 20, que “esta (ação conjunta de Bósnia e Sérvia) poderia ser uma medida eficaz”.

Cálculos conservadores indicam que as inundações causaram danos durante essa primavera boreal de aproximadamente US$ 685 milhões. Para as pessoas comuns, o renascimento da solidariedade entre as ex-nações iugoslavas não parece estranho. “Nossos idiomas são mais ou menos os mesmos, nossa forma de vida também. Temos uma herança comum”, ponruou Selma Sebo, de 43 anos, moradora na cidade bósnia de Tuzla. “Nosso desastre é o mesmo, por isso podemos sentir empatia pelos demais”, disse à IPS por telefone. Envolverde/IPS