Investimento do Brasil na pesca industrial de alto-mar gera polêmica entre especialistas

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Para especialistas, a pesca industrial é uma das causas da exaustão dos estoques pesqueiros em todo o mundo.
Os debates em torno da pesca do atum estão cada dia mais quentes. Se, de um lado, especialistas defendem a captura como forma de amenizar a demanda por alimentos em um mundo cada vez mais populoso, de outro, ambientalistas alertam para os riscos da sobrepesca e para uma possível escassez de peixes. Em julho, o governo brasileiro decidiu entrar na briga pela pesca do atum no Atlântico – e reacendeu a polêmica entre os defensores do meio ambiente.

O anúncio de que o Brasil vai investir na pesca de alto-mar foi feito no dia 11 de julho pelo ministro da Pesca, Luiz Sérgio, que pretende formar mão de obra especializada para trabalhar nessa modalidade. “Esta pesca industrial de alto-mar precisa ser incentivada, porque o Brasil só atinge 2% da cota estabelecida da pesca de atum no Atlântico. E se o país não pescar esse peixe, perde sua participação na cota. É um peixe muito comercializado no mundo e podemos ser exportadores dessa espécie”, disse o ministro em entrevista.

Diferentemente da pesca costeira, que usa redes de arrasto, a captura em alto-mar é feita com espinhéis (linha que agrupa vários anzóis) e depende de mão de obra especializada, pouco encontrada no país, o que força as empresas a contratar pescadores estrangeiros, situação que o Ministério quer mudar. Por isso, foi assinado em Natal (RN) um acordo para formar pescadores de alto-mar, por meio do Serviço Nacional de Aprendizado Industrial (Senai), com uma consultoria técnica japonesa.

Segundo o ministro, além de gerar divisas com a exportação, o setor pesqueiro também contribui para fortalecer o mercado interno, que vem consumindo mais peixes, mas ainda abaixo do recomendável. “A pesca tem uma potencialidade econômica importante de geração de emprego e de proteína, num país que tem enfrentado uma luta contra a miséria. Nós já aumentamos o consumo de sete quilos para nove quilos per capita por ano de pescado, mas mesmo assim estamos com um consumo inferior ao recomendado pelos organismos de saúde”, afirmou.

Dados da Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (ICCAT) apontam que, em 2000, o Brasil produziu 17.902 toneladas de atum e afins de barcos de empresas brasileiras e de barcos estrangeiros arrendados por empresas brasileiras. Em 2009, o número chegou a 31.397 toneladas.

Espécies ameaçadas

O problema, de acordo com especialistas, é que esse modelo de pesca está na contramão do que tem sido feito em outras nações desenvolvidas. Segundo o fundador do Projeto Baleia Franca, José Truda Palazzo, países como Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos e Inglaterra já estão revendo, restringindo ou revertendo a prática da pesca industrial de alto-mar devido ao declínio de espécies e à devastação no nível de ecossistemas causada pelas más práticas.

Uma pesquisa divulgada na revista Science afirmou que mais de 40% dos oceanos estão extremamente degradados. Três quartos das unidades populacionais de peixe existentes no mundo já foram sobre-exploradas ou estão gravemente reduzidas. Ainda segundo Truda, toda a costa oeste continental (incluindo a brasileira) não tem produtividade excepcional devido ao regime de correntes quentes, que trazem menos nutrientes, e também à “pesca descontrolada que está exaurindo os estoques pesqueiros aqui e no resto do mundo”.

“As práticas mais comuns, o arrasto de fundo e os espinhéis quilométricos, respectivamente arrasam as comunidades bentônicas e capturam aos milhões espécies ameaçadas ou vulneráveis, como tubarões, tartarugas e albaltrozes, além de, em média, botar fora 40% do que pescam como ‘fauna acompanhante’ sem valor comercial. Se isso fosse feito com qualquer ambiente terrestre, daria cadeia na hora.” – José Truda Palazzo.

Outro que alerta para os riscos da prática é o ex-diretor de Recursos Pesqueiros do Ibama, José Dias Neto. Ele afirma que a pesca industrial de grande escala é, certamente, a grande responsável pela depleção dos principais recursos no mundo. “Assim, de um modo geral, nenhum país conseguiu, num passado recente, bom resultado na gestão de sua pescaria, razão pela qual se enfrenta uma crise planetária na pesca.”

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O governo defendo que o modelo de pesca escolhido para o projeto é menos prejudicial ao meio ambiente.
Controle e método menos agressivo

Dias Neto pondera, porém, que existem métodos menos agressivos – o que inclui a prática que será usada pelo governo brasileiro. Segundo o especialista, no caso da pesca de atuns, por exemplo, “a realizada com o uso de espinhéis tem se mostrado menos danosa do que a de cerco, especialmente quando realizada com o apoio de objetos flutuantes”.

O projeto do governo prevê o uso de espinhéis de 150 quilômetros de extensão com até três mil anzóis, que, após lançados ao mar, são monitorados por computador. Segundo o secretário de Planejamento e Ordenamento da Pesca do Ministério da Pesca, Eloy Araújo, não existe a mínima possibilidade de o anzol arrastar no fundo do mar. “E mesmo que arrastasse não teria nenhum problema porque estamos falando em anzol, e não em uma rede.”

De acordo com Fábio Hazin, diretor do Departamento de Pesca e Aquicultura da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e presidente da ICCAT no Brasil, as espécies capturadas no Atlântico são reguladas pelo órgão e encontram-se em bom estado, sendo capturadas no nível compatível.

Ainda segundo Hazin, a pesca será feita de acordo com as regras e limites estabelecidos pela ICCAT e não incluirá o atum azul – espécie mais ameaçada. Desta forma, segundo o diretor, a iniciativa do governo não trará danos ambientais, apenas aumentará a parcela do Brasil em uma atividade que já ocorre. “A única alteração será a redução da captura de outros países, como China e Espanha, ou seja, o Brasil vai exercer seu direito de pesca”, defende.

Alternativa

Apesar das opiniões divergentes, todos concordam que existe uma alternativa mais sustentável para a produção de pescado em alta escala: a aquicultura. “Eu não tenho dúvidas que a aquicultura é uma atividade que vai permitir que nós, seres humanos, cumpramos uma tarefa muito árdua que é termos alimento para todo mundo”, afirmou Araújo.

Hazin também afirma que a opção é extremante viável, “é a grande promessa da produção de pescado”. Mas ele alerta que existem entraves tecnológicos e faltam políticas mais dirigidas para o desenvolvimento da aquicultura com bases sustentáveis.

Segundo o ministro Luiz Sérgio, a produção local de pescado enfrenta barreiras de licenciamento ambiental. “O Ministério está priorizando o licenciamento das fazendas de piscicultura. O Brasil tem rios, lagos e reservatórios que podem ser áreas de criação de peixes. Tanto com enfoque industrial quanto na política social, de gerar alimento, emprego e renda para as famílias mais pobres”.

* Publicado originalmente no site EcoD.