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Investimento sem precedentes dos Estados Unidos contra a imigração

Washington, Estados Unidos, 10/1/2013 – O governo dos Estados Unidos gasta anualmente mais com seus serviços de controle da imigração do que com todas as suas outras agências de segurança juntas, segundo um novo estudo. Além disso, os serviços de imigração detiveram mais gente por dia (cerca de 430 mil no ano fiscal 2011) do que todo o sistema federal de prisões do país.

Esses números cresceram drasticamente no contexto dos programas antiterroristas lançados agressivamente após os atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington. Além disso, o intenso debate entre os legisladores norte-americanos a respeito de como renovar o sistema migratório está paralisado, e isto consolidou nos fatos um enfoque que só se preocupa em prender e deportar os ilegais.

“Nenhuma outra nação no mundo está tão determinada, tem um compromisso profundo e caro e realiza tais esforços para aplicar as leis de emigração como os Estados Unidos”, disse Demetrios G. Papademetriou, presidente do Instituto sobre Políticas de Migrações (MPI), centro de estudos com sede em Washington. Estes esforços têm amplo alcance, incluindo tanto o fortalecimento de tribunais e prisões locais como ações para impedir potenciais viajantes para os Estados Unidos em seus aviões. Este último significa “uma extensão das fronteiras norte-americanas bem além das físicas”, alertou Papademetriou.

No quarto de século transcorrido desde que o Congresso norte-americano aprovou as primeiras normas de um sistema mais severo contra a entrada de ilegais, o gasto nos serviços de imigração chegou a US$ 219 bilhões, segundo estudo divulgado no dia 7 pelo MPI. “Este informe poderia mudar o jogo, pois confirma que o Congresso não deveria investir recursos adicionais na repressão da imigração, sobretudo quando nosso orçamento está tão limitado”, disse à IPS o diretor do Centro Nacional de Leis sobre Imigração, Don Lyster.

Entretanto, Lyster afirmou que falta ao estudo Inmigration Enforcement in the United States: The Rise of a Formidable Machinery (O controle migratório nos Estados Unidos: o surgimento de uma maquinaria formidável) avaliar “o impacto humano desses milhares de milhões de dólares gastos”, ressaltou. “Milhões de famílias e de comunidades são separadas devido ao singular enfoque do Congresso em reprimir, mais do que em criar um processo para que os imigrantes solicitem a cidadania. É hora de mudar isso de uma vez por todas”, acrescentou.

Embora a legislação de 1986 tenha criado a base do atual sistema, seu financiamento e sua implantação só começou realmente após os atentados de 11 de setembro, quando a repressão à imigração se converteu em pedra fundamental do novo enfoque terrorista. O resultado foi uma política de guerra total contra os ilegais, “especialmente contra os que tivessem histórico de delitos”, explicou Muzaffar Chishti, coautor do informe, durante um painel de discussão no dia 7.

As novas políticas, disse Chishti, “traçaram um inexorável laço entre o sistema de justiça penal e o de imigração, algo claramente sem precedentes em qualquer regime de manutenção da ordem”. Antes, a tendência do governo era apenas deportar os imigrantes que tivessem cometido crimes graves. Porém, em 1996, o Congresso acrescentou uma nova categoria legal que só é usada nas normas migratórias, a de “delito agravado”, endurecendo as penas contra 50 infrações que até então eram consideradas menores ou simples faltas.

Isto determinou um aumento sem precedentes no número de processos penais por violações das leis de imigração. Entre 2001 e 2009, estes se multiplicaram por seis, detalhou Chishti, passando de 16 mil para 92 mil ao ano. Hoje, 50% de todos os processos judiciais federais estão relacionados com a imigração. Segundo o informe, os cinco distritos judiciais ao longo da fronteira com o México, onde vive apenas 10% da população norte-americana, foi registrada quase a metade de todos os casos penais federais. Muitos temem que o incrível crescimento dos serviços de imigração afete a capacidade do governo ou de auditores externos para supervisionar os próprios agentes da ordem.

“Quando os orçamentos anuais das agências crescem em níveis entre 20% e 30% ao ano, como ocorreu em alguns casos na última década, os mecanismos para torná-las responsáveis nunca podem ser mantidos”, disse Doris Meissner, ex-comissária do Serviço de Imigração e Naturalização dos Estados Unidos e coautora do informe. “Além disso, essas agências não são transparentes, por isto o grau em que podem ser supervisionadas não é fácil de determinar”, explicou.

Segundo analistas, as tendências sugerem que Washington se aproximaria da maior revisão de seu sistema imigratório da última década. Algumas dessas tendências são as grandes mudanças demográficas, que têm consequências políticas, e as dificuldades econômicas, que obrigam a repensar todos os gastos do governo.

“Nesta época de apertar o cinto, nosso governo não pode se dar o luxo de continuar gastando milhares de milhões de dólares para reprimir ilegais sem contar com uma estratégia nacional migratória”, afirmou o diretor executivo do Fórum Nacional de Imigrações, Ali Noorami, em uma análise enviada por e-mail à IPS. “O Congresso deveria trabalhar a partir de agora em soluções práticas e duradouras que melhorem fundamentalmente nosso processo migratório”, acrescentou.

Entretanto, uma reforma não seria tão fácil de se concretizar, como alguns esperam. Entre outras coisas, a maquinaria se tornou extremamente grande. Embora o presidente Barack Obama tenha assegurado que uma completa reforma migratória seria uma prioridade em eu governo, seu primeiro mandato registrou um recorde nas deportações: cerca de 1,6 milhão nos últimos quatro anos.

“Muitos se perguntam por que uma administração comprometida com uma completa reforma expulsaria o maior número de pessoas na história dos Estados Unidos”, observou Donald Kerwin, diretor do Centro para Estudos de Migrações e coautor do informe, no painel de apresentação. “O fato é que as autoridades, os sistemas operacionais, os programas para aplicar a lei e os investimentos nestes desde 1986 permitiram deportações em grande escala quase inevitavelmente”, acrescentou. “Simplesmente, a maquinaria já está instalada”, enfatizou. Envolverde/IPS