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Irã revela uma proposta de programa nuclear sem fins bélicos

O chanceler iraniano, Javad Zarif. Foto: CC by 2.0/Behrouz Mehri/European External Action Service (EEAS)
O chanceler iraniano, Javad Zarif. Foto: CC by 2.0/Behrouz Mehri/European External Action Service (EEAS)

 

Teerã, Irã, 16/6/2014 – O ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, revelou pela primeira vez, em entrevista à IPS, que seu governo propôs um plano garantindo que nenhuma reserva de urânio pouco enriquecido do programa nuclear de seu país tenha capacidade para ser desenvolvido com fins bélicos. Zarif descreveu o plano, apresentado em maio nas reuniões com os países do P5+1 (China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia mais Alemanha), realizadas em Viena, que exclui o enriquecimento com fins bélicos.

“Os parâmetros da proposta serão fixados para continuar o enriquecimento pelo Irã, mas para dar as garantias necessárias de que não enriquecerá além dos 5%”, explicou Zarif em conversa exclusiva com a IPS. O chanceler detalhou que o plano implica a conversão imediata de cada lote de urânio pouco enriquecido a pó de óxido, que depois seria usado para fabricar elementos de combustíveis para o reator da usina nuclear de Bushehr, próxima à cidade de mesmo nome na costa do Golfo Arábico.

Como o Irã não tem a capacidade de fabricar elementos de combustíveis para Bushehr, a proposta implica que o pó de óxido seria enviado à Rússia, pelo menos durante vários anos, em lugar de permanecer em território iraniano. O plano de Teerã, que não foi divulgado anteriormente, faz parte de uma postura de negociação mais ampla que insiste na necessidade de aumentar em grande parte a quantidade de centrífugas que o Irã teria no futuro, uma condição que os Estados Unidos e o restante do P5+1 rechaçam.

Funcionários do governo de Barack Obama deixaram claro que Washington pretende uma forte redução do número de centrífugas, com o argumento de que não se pode permitir que o Irã tenha a capacidade de enriquecer urânio para armar uma única bomba nuclear em um prazo inferior a seis a 12 meses.

Zarif ressaltou que não pode discutir os detalhes da proposta iraniana, já que “ainda está em vias de negociação”. Mas o descreveu como um ciclo completo “da conversão para o concentrado de urânio, para UF6 (hexafluoreto de urânio), para urânio enriquecido, de novo ao pó de óxido, e de volta às varas de combustíveis”. Tudo estaria “desenhado especificamente para satisfazer as necessidades do reator de Bushehr”, acrescentou o chanceler.

Também revelou que o plano iraniano para garantir que seu país não tenha capacidade de construir armas nucleares é muito semelhante à proposta que Teerã apresentou na reunião com Alemanha, França e Grã-Bretanha, realizada em Paris em março de 2005. A proposta, publicada posteriormente pelo governo iraniano, incluiu uma série de “garantias técnicas” contra a proliferação das armas nucleares, entre elas a “conversão imediata de todo o urânio enriquecido para varas de combustível para evitar inclusive a possibilidade técnica de enriquecimento adicional”.

Zarif, que fez estudos universitários nos Estados Unidos, disse que ele mesmo elaborou a proposta em 2005, quando era embaixador do Irã na Organização das Nações Unidas (ONU), após consultar cientistas nucleares norte-americanos sobre qual seria a forma de garantir aos europeus e a Washington que o Irã não poderia enriquecer urânio suficiente para armar uma bomba nuclear.

“Perguntei a eles quais elementos ofereceriam a confiança necessária”, contou Zarif. “Me deram uma série de elementos, que coloquei em um pacote e enviei a Teerã, e daí o levaram a Paris”, afirmou em referência à reunião de 2005 com Alemanha, França e Grã-Bretanha.

Frank N. von Hippel, ex-diretor adjunto de segurança nacional no Escritório de Ciência e Tecnologia da Casa Branca e atual professor na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, confirmou por e-mail que integrou o grupo de cientistas consultado por Zarif. Hippel recordou que o grupo havia sugerido a Zarif “não acumular reservas (de urânio pouco enriquecido), mas enviá-lo à Rússia para fabricar combustível para o reator de Bushehr”.

Peter Jenkins, na época representante permanente da Grã-Bretanha junto ao Organismo Internacional de Energia Atômica, participou da reunião de Paris onde foi apresentado o plano iraniano, em 23 de março de 2005. “Todos ficamos impressionados com a proposta”, recordou em uma entrevista de 2012. Mas os europeus não a aceitaram como base para a negociação porque o governo de George W. Bush (2001-2009) insistia que não se deveria permitir ao Irã nenhuma capacidade de enriquecimento nuclear, segundo diplomatas europeus que participaram dessa fase anterior às negociações.

O governo de Obama pretende que Teerã obtenha o combustível que precisa para Bushehr – ou para qualquer reator futuro – da Rússia ou de outras fontes estrangeiras em lugar de depender de sua própria capacidade de enriquecimento, algo que Zarif rechaça. “Não deveriam nos dizer ‘vocês devem contar conosco’. Isso tem 30 anos de atraso”, afirmou.

O chanceler se referia à experiência do Irã nos anos 1990 com o consórcio francês de enriquecimento de urânio chamado Eurodif, no qual o regime do xá Mohammad Reza Pahlevi (1941-1979) tinha uma participação financeira que garantia a Teerã 10% do urânio enriquecido pelo consórcio. Mas, quando a República Islâmica, que tomou o poder em 1979, reiniciou o programa nuclear iniciado pelo xá, o governo francês impediu que a Eurodif fornecesse urânio enriquecido para o combustível do reator de Bushehr, no começo dos anos 1980.

O Departamento de Estado norte-americano reconheceu, em 1984, que havia cessado sua cooperação nuclear com o Irã e que pedira “a outros fornecedores nucleares que não participassem da cooperação nuclear com Teerã, especialmente enquanto continuar a guerra entre esse país e o Iraque”, travada entre 1980 e 1988.

Zarif rechaçou a proposta do P5+1 na última rodada de negociações, que limitaria as atuais 19 mil centrífugas iranianas a uma fração dessa quantia. “Não vamos redefinir nossas necessidades práticas”, insistiu, referindo-se ao Plano de Ação Conjunta acordado em novembro, que defende um acordo sobre o programa de enriquecimento iraniano cujos “parâmetros reflitam as necessidades práticas” do Irã.

Mas Zarif ressaltou que seu país está “preparado no contexto dessas necessidades práticas para trabalhar em diversos detalhes técnicos”. O chanceler criticou as declarações de funcionários antigos e atuais de Washington feitas à imprensa, bem como nas negociações, quanto ao número de centrífugas iranianas se orientar pela necessidade de ampliar o tempo necessário para o breakout de 6 a 12 meses. O termo inglês breakout se refere à capacidade de um país adquirir combustível e conhecimento necessários para fabricar uma arma nuclear com relativa rapidez.

Os Estados Unidos querem que o Irã cesse todo enriquecimento na base de Fordow, que se encontra em um túnel sob uma montanha próxima à cidade de Qom, porque se baseia no argumento de que “não podem bombardeá-la”, afirmou Zarif. A afirmação implícita de que Washington tem o direito de bombardear as instalações iranianas “cai mal para a psique iraniana e produz exatamente a reação oposta”, ressaltou.

O chanceler questionou a opinião refletida pela mídia ocidental de que o governo do presidente Hassan Rouhani sofre forte pressão política para obter resultados nas conversações que eliminem as piores sanções contra o Irã.

A última rodada de conversações em Viena, que não teve sucesso, “foi o momento mais fácil em casa”, disse Zarif, e “o mais difícil” para ele, já que teve de explicar “cada resultado positivo a uma população que é sumamente cética quanto às intenções do Ocidente”, assegurou. Se rechaçasse um acordo, receberia uma “recepção de herói”, afirmou. Envolverde/IPS

* Gareth Porter é jornalista investigativo independente e ganhador do Prêmio Gellhorn de jornalismo em 2012. É autor de Manufactured Crisis: The Untold Story of the Iran Nuclear Scare (Uma Crise Fabricada: a História não Contada do Pânico pela Capacidade Nuclear do Irã), publicado recentemente.