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Iraque busca um ministro sunita “independente” contra o EI

O presidente do Iraque, Fuad Masum, na 69ª Assembleia Geral da ONU. Foto: ONU/Amanda Voisard
O presidente do Iraque, Fuad Masum, na 69ª Assembleia Geral da ONU. Foto: ONU/Amanda Voisard

 

Washington, Estados Unidos, 2/10/2014 – O presidente do Iraque, Fuad Masum, anunciou que seu governo busca um sunita independente para ocupar o cargo de ministro da Defesa, em um esforço para melhorar as possibilidades de reunificação do país e derrotar o grupo extremista Estado Islâmico (EI). Masum declarou, no dia 26 de setembro, em seus primeiros comentários frente a um público norte-americano desde que foi eleito em julho, que os curdos iraquianos não se separarão do resto do país em um momento de tanto perigo, embora possam realizar um referendo sobre sua independência.

“Hoje não há nenhuma possibilidade de anunciar um Estado desse tipo”, argumentou Masum, ex-primeiro-ministro da região curda e ele mesmo um curdo, perante uma sala cheia no Conselho de Relações Exteriores, uma organização independente com sede em Nova York. “A formação de um Estado curdo é um projeto, e um projeto com este tem de levar em conta” as opiniões da região e de outros países, bem como as circunstâncias extraordinárias da atual ameaça terrorista no Iraque, acrescentou.

Em geral, os observadores consideram que a realização do referendo sobre a independência curda atuou como uma forma de pressão para forçar a renúncia do ex-primeiro-ministro iraquiano Nuri al Maliki (2006-2014). Maliki, que também sofreu a pressão dos Estados Unidos, dos sunitas iraquianos e do Irã, cedeu o cargo a Haider al Abadi, um integrante menos polêmico de seu partido xiita. Mas, até agora, Abadi não conseguiu aprovação do Parlamento dos nomes que escolheu para dirigir os ministérios de Defesa e do Interior.

Perguntado a respeito, em Nova York, Masum afirmou que, “aparentemente, se entende que o ministro da Defesa deve ser sunita e há uma busca por um sunita independente”. Quanto o ministro do Interior, o governo iraquiano busca um “xiita independente” para o posto, acrescentou. Abadi ocupa ambos no momento, mas, ao contrário de seu antecessor, explicou que não quer assumir essas responsabilidades por muito tempo.

Masum disse que a decisão provavelmente ocorra depois da festividade muçulmana de Eid al Adha, que este ano acontecerá em 5 de outubro. O presidente iraquiano também pontuou que não houve avanço em um acordo para compartilhar a renda do petróleo do Iraque, uma fonte importante de descontentamento interno na administração de Maliki. Decidiu-se que cada uma das regiões tenha representação em um conselho superior do petróleo e gás, disse Masum, que também expressou sua confiança no novo ministro do Petróleo, Adel Abdel Mahdi.

Perguntado se o Iraque se dividiria em três países, como recomendou no passado o vice-presidente norte-americano, Joe Biden, Masum opinou que poderia haver um caminho para um sistema mais confederado, mas a divisão do Iraque “em três Estados independentes é um pouco descabida, especialmente na situação atual”.

Masum começou seu discurso na sede do Conselho de Relações Exteriores explicando como se gestou o EI, que já se chamou Estado Islâmico do Iraque e o Levante (Isis). Explicou que o grupo começou “como um casamento” entre militares nacionalistas e extremistas religiosos, que foi celebrado enquanto estavam juntos na prisão, durante a ocupação dos Estados Unidos no Iraque. A ideia de combinar o Iraque com o Levante, integrado por Líbano, Síria, Palestina e Jordânia, é, na verdade, um velho conceito nacionalista árabe, afirmou.

Os aspectos religiosos do movimento remontam aos hassasin, ou consumidores de haxixe, de onde deriva a palavra assassino. Este grupo xiita, formado no final do século 11, desafiou os governantes sunitas da época, mediante ataques suicidas e supostamente sob a influência de drogas. “Essas práticas terroristas foram empregadas muitas vezes em nome de uma religião ou seita”, destacou Masum.

O presidente elogiou os Estados Unidos por irem em ajuda dos iraquianos e curdos contra o EI e também expressou seu apoio ao recente bombardeio de posições do grupo extremista e do jihadista Jabhat al-Nusra na Síria. Porém, Masum fugiu de várias perguntas sobre se esses ataques não reforçarão inadvertidamente o presidente sírio, Bashar al Assad. “Atacar o EI na Síria não deveria implicar que seja em apoio ao regime ou um princípio de derrubada de Assad. Por isso os ataques são limitados”, afirmou.

Perguntado sobre as relações do Iraque com o Irã e se os iraquianos e os curdos atuam como intermediários de Washington e Teerã na tentativa em comum de derrotar o Estado Islâmico, Masum se referiu às relações históricas com o país vizinho e que Bagdá também tem interesses comuns com os Estados Unidos. “Não olhamos os Estados Unidos com olhos iranianos e nem o Irã com olhos norte-americanos”, ressaltou.

Quanto aos assessores militares iranianos que teriam ajudado a libertar a cidade de Amerli, ocupada pelo EI, e a romper o assédio do Monte Sinjar, Masum se limitou a dizer que “muitos especialistas” ajudaram as forças de combatentes curdos conhecidos como peshmergas.

Masum atribuiu o colapso do exército iraquiano em Mosul à falta de liderança, à corrupção e às décadas de reveses que começaram com a invasão do Irã por parte de Saddam Hussein, em 1980. A isto se seguiu, em 1990, a invasão do Kuwati e a posterior negativa em cooperar com a comunidade internacional. Tudo isso “teve um impacto na psicologia dos comandantes e soldados, já que as forças iraquianas foram de fracasso em fracasso”, afirmou.

O presidente confirmou que, no novo governo iraquiano, cada província terá sua própria guarda nacional composta pela população local. Masum pontuou que este conceito, que será financiado em parte pela Arábia Saudita e por outros países árabes do Golfo, é uma tentativa de replicar o êxito dos chamados filhos do Iraque, ao motivar que tribos sunitas enfrentem o EI, como antes fizeram contra a rede extremista Al Qaeda no Iraque.

Com relação às milícias xiitas, que cometeram abusos contra sunitas e ajudaram a afastar essa população de Bagdá, Masum reconheceu que eventualmente terão que se desmobilizar, mas só depois de ser eliminada a ameaça do EI.

Também foi perguntado a Masum sobre supostos atentados que o Estado Islâmico estaria planejando contra Estados Unidos e França – algo que Abadi havia alertado nos últimos dias, embora funcionários norte-americanos tenham dito que não possuem essa informação –, o presidente afirmou que, tanto no Ocidente quanto no Iraque, “células latentes” poderiam estar planejando ataques terroristas. Envolverde/IPS