Nações Unidas, 11/8/2014 – “Não morda a mão que te alimenta”, diz um antigo provérbio que também é um axioma político, recordou um diplomata asiático. Mas esse ditado não se aplica a Israel. Embora os Estados Unidos o apoiem militarmente, o governo israelense não tem problemas em atacar Washington se este critica os assentamentos ilegais ou as violações dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados na Faixa se Gaza.
Embora sua sobrevivência militar dependa em grande parte das armas de origem norte-americana sob seu poder, Israel criticou os Estados Unidos, no dia 28 de julho, e descreveu extra-oficialmente o apoio do secretário de Estado, John Kerry, a um plano de paz em Gaza como “um atentado terrorista estratégico”. “Simplesmente não é a maneira como sócios e aliados se tratam entre si”, disse o porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki, irritado pelas críticas.
Porém, Washington, fiel à norma, continua assimilando os golpes que Israel lhe desfere, no acerto ou no erro, em um verdadeiro ato de masoquismo político. “Enquanto Israel continua mordendo a mão que o alimenta, os Estados Unidos continuam alimentando a mão que o morde”, observou à IPS um diplomata asiático.
Apesar da virulência de Israel, a administração do presidente Barack Obama se apressou a entregar US$ 225 milhões em munições e reposição como ajuda de emergência nos últimos dias, para reforçar a defesa de Israel no conflito desatado em 8 de julho contra o movimento islâmico palestino Hamas. No dia 8 deste mês, os dois lados reiniciaram os combates após 72 horas de trégua.
“Se o governo de Obama quisesse influir durante os últimos ataques israelenses em Gaza, poderia ter ameaçado cortar a ajuda militar até Israel cessar os ataques desproporcionais que mataram uma grande quantidade de civis”, opinou William D. Hartung, diretor do Projeto de Armas e Segurança do Centro para a Política Internacional. Mas o governo dos Estados Unidos voltou a fornecer armas a Israel em meio ao conflito, apontou.
“O governo norte-americano continua agindo como um facilitador para o massacre dos palestinos por parte de Israel em Gaza”, afirmou à IPS Norman Solomon, diretor do Instituto para a Precisão Pública. A retórica humanitária do governo de Obama funciona como complemento da enorme ajuda militar e de inteligência que Washington proporciona a Israel, acrescentou.
Em julho, na medida em que se intensificava o conflito em Gaza, a Casa Branca deu uma inequívoca luz verde para que Israel massacrasse os palestinos, afirmou Solomon, também cofundador e coordenador do RootsAction.org, um grupo ativista dos Estados Unidos com 450 mil membros. A relação bilateral dos dois países combina a tragédia e a farsa de forma macabra, segundo Solomon. Ambos naturalizaram a matança cotidiana da população civil em Gaza como algo meramente incidental aos interesses geopolíticos das duas potências militares, ressaltou.
Cerca de 1.875 palestinos, incluídos 426 crianças, morreram no conflito até agora, quase todos em consequência das armas norte-americanas. Em contraste, Israel teve 64 soldados e três civis mortos. Um estudo preliminar realizado por organizações internacionais indica que os bombardeios israelenses destruíram 37 mesquitas, 167 escolas, seis universidades e mais de dez mil moradias em Gaza.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, disse na Assembleia Geral, no dia 6, que o direito internacional humanitário exige claramente que todas as partes protejam a população civil e as instalações civis, o que inclui o pessoal e os locais da ONU. Nada simbolizou mais o horror desatado entre a população de Gaza do que o repetido bombardeio de instalações das Nações Unidas que abrigavam civis, aos quais foi dito expressamente que ali encontrariam abrigo seguro, ressaltou Ban.
“Esses ataques foram escandalosos, inaceitáveis e injustificados. Nossa bandeira da ONU deve ser respeitada e a proteção dos que dela necessitam garantida. Os abrigos das Nações Unidas devem ser zonas de segurança nas áreas de combate. Os que violam esta sagrada confiança deverão se submeter à prestação de contas e à justiça”, destacou o secretário-geral.
No bombardeio mais recente de um centro da ONU, os funcionários do fórum mundial haviam informado as coordenadas do mesmo às autoridades israelenses em 33 ocasiões, informou Ban. No dia 6, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, lamentou as baixas civis, mas atribuiu a culpa ao Hamas. “Cada vítima civil é uma tragédia, uma tragédia que é obra do Hamas”, declarou.
Embora Israel tenha sua própria capacidade de produção, suas forças armadas dependem muito da ajuda norte-americana, destacou Hartung à IPS, explicando que os ataques israelenses em Gaza utilizaram principalmente armas fabricadas nos Estados Unidos e pagas pelos contribuintes desse país, como os aviões de combate F-16, bombas e munições. No total, Washington entregou mais de US$ 25 bilhões em ajuda militar a Israel a partir de 2005, tudo em forma de subvenções não reembolsáveis, acrescentou.
Embora Alemanha, Canadá, França, Itália e outros países também tenham fornecido armas a Israel, suas vendas são uma fração do que é entregue pelos Estados Unidos, ressaltou Hartung.
“Nem a angústia que Obama possa expressar nem sua aversão pessoal por Netanyahu fez alguma diferença para o governo de Israel”, observou Solomon à IPS. Tel Aviv pode contar com os constantes lugares comuns de Washington referentes à busca de uma solução por meio de um processo de paz, pontuou. Com a cumplicidade do governo norte-americano, Israel optou pela mão dura que aterroriza a população civil de Gaza, acrescentou.
Segundo Solomon, este modo norte-americano-israelense de trabalhar continua sendo extremamente funcional em termos da cobertura diplomática, da ajuda militar e da inteligência. Em termos humanos, os resultados continuam sendo catastróficos para os palestinos, destacou.
Antes dos atentados nos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, o erudito Eqbal Ahmad expressou uma verdade que é mais convincente e crucial que nunca: uma superpotência não pode fomentar o terror em um lugar e esperar desestimular o terrorismo em outro lado. Isso não funcionará neste mundo reduzido. Ahmad morreu, mas suas palavras continuam vivas. São verdadeiras e condenam o papel dos Estados Unidos como facilitador da matança coletiva cometida por Israel, enfatizou Solomon. Envolverde/IPS