Gaza, Palestina, 14/12/2011 – “A água é vida, não um brinquedo que se pode tirar só porque se tem vontade”, protestou Maher Najjar, subdiretor-geral da Empresa de Água das Municipalidades Costeiras de Gaza, a respeito da ameaça de Israel de cortar a eletricidade e outros serviços básicos neste território palestino. “Repercutirá em tudo, na água potável e na que se usa para banho, no saneamento, nos hospitais, nas escolas e nas crianças”, disse Ahmed al-Amrain, chefe de informação da Autoridade de Recursos Nacionais e de Energia da Palestina.
A Companhia Elétrica de Israel responde por 60% do consumo na Faixa de Gaza, que paga à população local por meio de impostos arrecadados por autoridades israelenses. Além disso, Gaza compra 5% de seu consumo do Egito e procura cobrir os restantes 35% com usinas solares, embora durante o bombardeio israelense de 2006 tenham sido destruídos seis de seus transformadores.
No dia 26 de novembro o vice-chanceler israelense, Danny Ayalon, ameaçou cortar a energia elétrica, a água e as ligações à infraestrutura de Gaza, que serve os 1,6 milhão de habitantes deste território palestino. “Este é o verdadeiro significado de castigo coletivo”, disse Jaber Wishah, subdiretor do Centro Palestino de Direitos Humanos. “Crianças, mulheres, idosos, pacientes, estudantes, todos são ameaçados”, acrescentou.
Após as eleições parlamentares de 2006, nas quais o Hamás (Movimento de Resistência Islâmica) venceu, Israel submeteu Gaza a um assédio cada vez mais rígido, privando os palestinos de bens essenciais e básicos, como animais de criação, remédios, máquinas, peças de reposição e diesel para as centrais de geração elétrica.
“Há anos Israel corta sem cessar a eletricidade e destroi infraestrutura, mas esta é a primeira vez que ameaça diretamente suspender tudo. É absurdo chantagear a população por questões políticas”, protestou Wishah. Além disso, é ilegal. Ele e a organização israelense de direitos humanos Gisha afirmaram que Israel mantém uma ocupação militar e controla a Faixa de Gaza, apesar da retirada em 2005 de colonos judeus e de bases do exército. A legislação internacional estipula que o Estado judeu responde pelo bem-estar da população de Gaza e deve garantir a eletricidade, a água e o bom funcionamento da infraestrutura, afirmou a Gisha.
Desde 2007 Israel limita a entrada em Gaza de combustível e diesel industrial, o que gera cortes de eletricidade em todo o território entre oito e 12 horas e perturba os serviços de água, saneamento, saúde e educação. “Técnicos palestinos e a empresa israelense de eletricidade pediram ao governo para reparar a linha principal que foi danificada. Mas este se negou”, destacou al-Amrain. A falta de eletricidade “obrigará as famílias a comprar combustível para fazer funcionar pequenos geradores domésticos, propensos a causar acidentes graves e queimaduras”, acrescentou.
Mais de cem palestinos morreram em 2009 e no primeiro trimestre de 2010, segundo informe da organização humanitária Oxfam, devido a incêndios causados por geradores domésticos e pela inalação de monóxido de carbono. São aparelhos que permitem o funcionamento de máquinas vitais durante os cortes de energia, mas não servem para outros serviços, como lavar roupa. “Não há energia suficiente. Há apenas para emergências e por períodos curtos, não de forma contínua. Não são uma solução alternativa”, ressaltou.
“Será uma catástrofe se Israel cortar a eletricidade. Metade da população não terá água”, alertou Najjar. Atualmente, 95% da água subterrânea não é potável, segundo padrões da Organização Mundial da Saúde (OMS), que indica que os nitratos, considerados cancerígenos, chegam a 330 miligramas por litro, bem acima dos 50 miligramas aceitos. “Desde 2000 temos planos para reparar e ampliar projetos de água em Gaza, mas até agora apenas sete dos cem foram terminados”, informou.
Somente 10% do 1,6 milhão de habitantes de Gaza têm água todos os dias, 40% têm a cada dois dias e uma proporção semelhante a cada três dias, enquanto 10% têm uma vez em quatro dias, acrescentou Najjar, lembrando que “Israel perfurou cerca de mil poços ao redor da Faixa de Gaza para uso próprio. Isto corta o fluxo de água antes de chegar aqui”. A Mekorot, a empresa israelense de água, fornece apenas 5%, mas o que mais preocupa a população é o corte de energia elétrica e de outros serviços.
“O cloro é vital para purificar a água. Sem ele não podemos extrair uma única gota”, explicou Najjar. Já se lança no mar 80 milhões de litros de esgoto por dia, parcialmente tratados ou sem nenhum tratamento, devido à falta de instalações adequadas ou de eletricidade suficiente. A OMS registrou, em 2008, níveis perigosos de bactérias fecais em um terço da costa de Gaza. Dois anos mais tarde, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina informou que diarreia aguda hemorrágica e hepatite viral são as principais causas da morbidade neste território.
“Precisamos de energia contínua para bombear o esgoto para as estações de tratamento. Os geradores são alternativas para os cortes de eletricidade, mas sem um fornecimento contínuo o esgoto inundará as ruas”, ressaltou Najjar. Um tanque de esgoto de Beit Lahiya transbordou em agosto de 2007, quando morreram afogados cinco moradores de uma aldeia vizinha.
O Hamás afirma que aceitará um Estado palestino dentro das fronteiras de 1967, que Israel ainda deve definir, mas continua ampliando os assentamentos ilegais nos territórios palestinos que ocupa. “Creio que a ameaça dos israelenses é séria”, disse Wishah. “Porque a eles não importa nem as leis nem as convenções internacionais, como as de Genebra, que assinaram e que proíbem o castigo coletivo. Sentem-se acima da lei e estão fora de toda perseguição legal”, acrescentou. Envolverde/IPS