Antes de viajar para o Nordeste pela primeira vez, eu achava que a palavra acolá existia só nas palavras cruzadas, ninguém falava isso. Mas entre nordestinos vi que não só existe como é muito empregada. O que não existia entre muitos nordestinos eram as palavras ali e lá. Lá era acolá, e ali era acolazinho.
Aprendi muitas novas palavras no Nordeste. Por exemplo: lá não se falava tapete, e sim alcatifa. Um tipo de vaso de barro era alguidar. Pote grande, para armazenar bastante água, era porrão. Ficar bravo era retar, ou ficar retado. Em Barra, no Oeste da Bahia, onde o bispo Cappio protesta contra a transposição do Rio São Francisco antes de recuperá-lo, moça bonita era berlota. Por falar em moça bonita, namorando uma no Ceará fiquei sabendo uma época que “califun caiu de moda”. Califun ou calefon era sinônimo de sutiã.
Com a chegada da televisão, muita coisa mudou, a linguagem foi meio padronizada, embora permaneçam muitas expressões regionais. Mas tem palavras que ? sejam de onde for ? me deixam invocado. Acho besta, por exemplo, cara que quer colocar um pouco de humor num texto e, quando quer dizer de coisas de antigamente, diz “de antanho” ou “dos tempos de antanho”. Não tenho nada contra a palavra antanho, mas acho feia. Assim como acho muito feias as palavras fronha e regozijo.
Muitas palavras eu pronunciava errado de propósito, por achar feia a forma correta, como é o caso de lagarto e lagartixa, que eu e muitos conterrâneos pronunciávamos largato e largatixa.
Lembrei-me agora de pessoas que “descobrem” uma palavra e a acham maravilhosa, mas nem sempre entendem seu significado. Uma história famosa é de um sambista que foi ao velório de um amigo e no cumprimento à viúva disse apenas: “Que coincidência!”. Havia conhecido a palavra pouco tempo antes e achava que era uma expressão de lamento.
Existem palavras e expressões pelas quais peguei desconfiança, além de achá-las feias. É o caso de envidar. Quando ouço alguma autoridade dizendo que vai “envidar esforços” para resolver qualquer coisa, já sei que vai enrolar, enrolar e não fazer nada.
Trabalhando na Prefeitura de São Paulo, uma época, sempre que alguém vinha defender alguma coisa qualquer e começava com “veja bem…”, eu pedia para parar. Nada contra a expressão em si, mas sempre que começavam uma frase assim era para engabelar os outros.
Não gosto especialmente dos gringófilos, que sempre preferem uma palavra em inglês, mesmo havendo outra melhor em português. Fico irritado com quem fala que teve “um insight” em vez de “um estalo”. Recentemente, vejo que muita gente que quer se pós-graduar em algo não faz mestrado, faz MBA, pronunciando embiei. Horroroso.
Por falar em horroroso, quando ouvi a primeira vez alguém dizer que estava estarrecido, imaginei que ficar estarrecido era ficar pra lá de horrorizado. Estarrecer seria o horror dos horrores. Mas nos jornais, todos os dias, vejo nas seções de cartas leitores ficando estarrecidos por qualquer banalidade. Babaquice.
Mas, raiva mesmo de uma palavra a ponto de partir para a ignorância ao ouvi-la, eu soube numa cidade do Vale do Paraíba, em São Paulo. Um velhinho aposentado frequentava regularmente a sapataria de um amigo igualmente velhinho. Enquanto o sapateiro trabalhava numa bancada, colocando meia sola e salto em sapatos velhos, o aposentado ficava do outro lado, conversando sobre os mais variados assuntos. Um dia, discutindo um assunto qualquer, o sapateiro, que pregava o salto num sapato, argumentou contra uma opinião do aposentado. Para rebater a crítica do amigo, o aposentado falou:
? Isso não obsta…
Ia continuar, quando viu o sapateiro com o martelo erguido, falando “obsta? obsta?” até dar-lhe uma martelada na cabeça, mandando-o para o Pronto Socorro.
Um cara que falava a palavra obsta, ora… Merecia, não?
* Este artigo é parte integrante da Revista Fórum, edição 97, em circulação nas bancas.
** Publicado originalmente no blog do autor no site da Revista Fórum.