Em tempo de aperto fiscal, observamos, de um lado, o governo dizer que precisa cortar R$ 50 bilhões do orçamento. De outro, vemos o mesmo governo tomar decisões que nos levam à conclusão de que há dinheiro sobrando a ponto de fazer uma caridade adicional ao Paraguai, que custará R$ 5 bilhões ao Brasil.
Se acompanharem o parecer favorável da senadora Gleisi Hoffman, aprovado na Comissão de Relações Exteriores, nossos senadores aprovarão em plenário, nos próximos dias, o Projeto de Decreto Legislativo 115/11, que altera o Tratado de Itaipu e triplica o pagamento do Brasil ao Paraguai pela cessão de energia excedente. O problema é que a senadora tem demonstrado desconhecer as bases do Tratado. Se as conhecesse, não defenderia sua alteração com a ideia de “preço de mercado” para a energia gerada por Itaipu.
O Tratado de Itaipu, assinado em 1973 e que deveria ser mantido até 2023, foi negociado entre Brasil e Paraguai para se chegar a arranjo justo e factível. Suas bases financeiras estão no Anexo C, em que se explicita que a tarifa da usina serviria para cobrir os custos do financiamento da sua construção, com 100% da dívida garantida pelo Tesouro brasileiro. Portanto, nada a ver com “preços de mercado”.
Aliás, se a tarifa de Itaipu seguisse a lógica de mercado, a usina não teria saído do papel porque, na época em que foi concebida, nos anos 1970, não havia “mercado” para pagar pela energia que seria gerada. A falta de mercado, inclusive, obrigou a que nós, brasileiros, assumíssemos em nossas contas de luz, ao longo de décadas, o custo da construção da usina, período durante o qual o Paraguai não manifestou nenhum interesse no “preço de mercado”, conceito que agora lhe é tão conveniente.
Além disso, o reajuste que a senadora Gleisi Hoffman defende, em prejuízo dos brasileiros, não diz respeito ao preço da energia de Itaipu, mas a uma parcela adicional chamada “remuneração por cessão de energia”. É fonte extra de recursos para o Paraguai. Esta confusão precisa ser interrompida porque conduz a perigoso desvirtuamento dos fatos.
O Brasil tem buscado implementar projetos de integração energética com os vizinhos. Muitos dos projetos têm sofrido abalos por causa de alterações das condições inicialmente pactuadas. A reação do governo brasileiro diante desses abalos, ao longo da última década, tem sido de “acomodação” dos pleitos, acarretando custos bilionários para consumidores, contribuintes e empresas nacionais, sejam elas estatais ou privadas.
No White Paper Energia e Geopolítica: Compromisso Versus Oportunismo (estudo disponível em www.acendebrasil.com.br), foram examinados 11 incidentes em que intervenções ou pleitos de nossos vizinhos alteraram as condições originalmente pactuadas em contratos ou tratados. O impacto acumulado até agora de tais alterações foi de perdas de cerca de R$ 6,7 bilhões para o Brasil.
A elevação da remuneração da energia de Itaipu para o Paraguai engrossa a lista de “acomodações” que têm sido acolhidas de forma incompreensível pelo governo brasileiro, muitas vezes com apoio de parlamentares. E é uma “acomodação” por motivos políticos, sem justificativas econômicas ou sociais.
Mas o Senado Federal ainda tem a chance de corrigir o erro dos deputados que aprovaram a alteração do Tratado na Câmara. O Projeto de Decreto Legislativo 115/11 deverá ser votado no plenário do Senado na próxima semana.
A senadora Gleisi Hoffman tem afirmado que “não se trata de caridade, mas de inteligência” aumentar a remuneração ao Paraguai. Com o respeito que a senadora merece, discordo da primeira parte de sua visão: a aprovação da alteração do Tratado de Itaipu é ato de caridade de R$ 5 bilhões porque não há razão para ceder às pressões paraguaias. Mas concordo com a segunda parte: é ato de inteligência sim. Inteligência dos parlamentares paraguaios, que defendem os interesses dos eleitores, ao contrário do que fizeram vários dos nossos deputados federais que cederam sem exigir nenhuma contrapartida.
Na condição de observatório do setor elétrico, o Instituto Acende Brasil passará a acompanhar uma lista com todos os deputados federais e senadores que votarem a favor do aumento para o Paraguai, ao custo de bilhões tirados dos bolsos brasileiros. E confrontará essa lista com os posicionamentos e votações futuras dos parlamentares que se dizem preocupados com o custo de energia para os consumidores e com a falta de recursos públicos para nossas necessidades. Afinal, está ou não sobrando dinheiro para caridades com países vizinhos?
* Presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br).
** Publicado originalmente no jornal Correio Braziliense e retirado do site Acende Brasil.