Japão: o mapa da vulnerabilidade

A economia japonesa, devido ao desastre e às suas consequências, tornou-se vulnerável. A situação vai agravar-se no verão, com a falta de energia que assolará Tóquio, o coração do país.

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Este não foi um bom ano para o Japão. Primeiro, pelo fato de ter caído no ranking mundial de segunda para terceira economia, e ninguém é capaz de dizer se conseguirá manter essa posição e por quanto tempo. Como se diz popularmente: os tempos mudaram…

Mas a questão mais importante é que, após ter sido considerado um dos países mais seguros e onde as coisas funcionavam com alto grau de precisão, o país é um dos mais vulneráveis da atualidade

Depois de mais de um mês de incertezas sobre o futuro de Fukushima 1, a operadora, Tóquio Eletricidade (Tepco), fez um pronunciamento público apresentando o seu plano de estabilização da situação, dizendo que, num prazo entre seis e nove meses, poderá ter a situação sob controle. E que poderá desativar os reatores.

Em primeiro lugar, a Tepco só o fez porque está sendo pressionada por todos os lados. No dia seguinte ao pronunciamento, quando os robôs americanos entraram na central para medir a radiação e ficou constatado que com o alto nível é difícil que trabalhadores possam realizar a imensa quantidade de trabalho necessário lá dentro, nem mesmo o porta-voz do governo, Yukio Edano, sabia dizer se, no plano da Tepco, essa eventualidade tinha sido levada em consideração. Não é necessário ser um Einstein para saber que o pronunciamento da Tepco é semelhante ao que fazem os candidatos em véspera de eleição. É uma manifestação de vontade, mas não se pode afirmar que esteja baseada na realidade. Para uma empresa que tem mentido sistematicamente, assim como o governo, não será nada difícil que, findo esse prazo, se acrescente uma série de dificuldades para explicar os porquês de não ter sido possível cumprir os mesmos. Em qualquer hipótese, em algumas semanas isso ficará evidente e já podemos esperar por um plano número dois, que poderá ser seguido por um número três ou quatro.

Porque não é necessário ser um especialista para saber que uma solução definitiva para Fukushima é o sepultamento com betão, como Chernobyl. Um sepultamento que seja à prova de um terremoto de magnitude 9 ou superior, pois, agora, dificilmente alguém poderá alegar que isso nunca acontece. Os estatísticos poderão argumentar que a probabilidade é pequena, mas trata-se de uma região que está sendo assolada por terremotos de grande magnitude, ainda que não sejam de escala 9.

Trabalhei durante vários anos no setor de construção civil e sei, por essa experiência, que o primeiro passo é fazer um projeto, desenhos, etc. Isso, em qualquer circunstância, levará alguns meses. Após a feitura do projeto, é necessária a aprovação e isso também pode levar alguns meses, mesmo que o governo lhe dê prioridade. Pensar que só essa parte gastaria algo em torno de um ano, ou mais, não é nenhum exagero. A implementação do projeto em condições normais, dada a envergadura da central nuclear, levaria mais de um ano ou dois, mesmo se trabalhando 24 horas por dia. Mas não são condições normais. Existe radioatividade e os trabalhadores não podem executar o projeto como é feito quando se constroi um prédio de 40 ou 50 andares. Serão necessários equipamentos especiais? Quais? Onde estão? A Tepco não explica nada disso no seu plano. O motivo é simples: não tem como explicar.

Desde que fui despertado pelo terremoto, em 11 de março, tenho escrito de maneira crítica sobre a questão de Fukushima 1. Com a atitude da Tepco durante todos esses dias, só posso concluir que esse plano de seis a nove meses é uma farsa. Mais uma entre outras que virão nas próximas semanas. Colocar Fukushima sob controle vai demorar não seis ou nove meses, mas alguns anos. Se esses senhores, operando um milagre, conseguirem sepultar Fukushima em três anos, já seria um feito a se comemorar, apesar da tragédia. Mas penso que um prazo realista é bem superior a esse.

O que isso significa? Um barco é projetado para enfrentar fortes ondas no mar. Mas se se enche esse barco de água, em todos os compartimentos, ele já não terá a mesma capacidade de enfrentar as ondas. É o que ocorre com Fukushima 1. Não só não resistiu ao terremoto e ao tsunami, como é uma espécie de barco cheio de água dentro. Qualquer onda mais poderosa pode fazê-lo naufragar. Na atual situação, para que Fukushima naufrague, não é necessário um terremoto escala 9. Um menor pode fazer com que a situação saia do controle outra vez. Seria um exagero, se desde o dia 11 não tivessem ocorrido mais de mil terremotos com magnitude superior a 4,5, o que, convenhamos, não é nenhuma brincadeira.

A economia japonesa, devido ao desastre e às consequências, tornou-se vulnerável. A situação vai agravar-se no verão, com a falta de energia que assolará Tóquio, o coração do país. Ninguém sabe as consequências desse próximo verão. Muito se tem falado sobre os planos de reconstrução, mas, neste exato momento, milhares de trabalhadores da construção civil não podem ir para a área devastada por que falta material de construção…

Não se trata apenas de uma vulnerabilidade econômica. Durante o período de alguns anos, até que se chegue ao final do sepultamento de Fukushima, em condições apenas relativamente seguras, o Japão continuará vulnerável. Até lá, nem mesmo os guionistas de Hollywood são capazes de imaginar o que pode ser a área de Kanto, onde fica Tóquio, caso ocorra mais um “desastre natural”. Especialistas têm afirmado que um aftershock de escala 8 é plausível neste período. Precisamos de mais?

Governo prepara a terceira tragédia

A imprensa divulgou que o governo planeja aumentar o imposto sobre o consumo de 5% para 8%, como forma de viabilizar a “reconstrução”. Trata-se de um golpe baixo, utilizando o estado psicológico da população para desferir o maior ataque aos trabalhadores, que já se encontram atacados com a alta dos preços de diversos produtos, em particular os alimentos, que pesam no orçamento familiar. Após a tragédia natural e a nuclear, o governo prepara mais este ataque.

Com isso, não teremos um país mais estável ou competitivo. Aumentar o imposto vai inibir o consumo, o que tem um efeito recessivo. Parte desse dinheiro será desviado para o bolso das grandes construtoras, que serão beneficiárias de projetos de necessidade duvidosa. A outra parte será usada para tapar o déficit público, que se tornou mais preocupante com a tragédia. Será a terceira tragédia vivida pela população num período de algumas semanas…

Luta antinuclear estende-se à Índia

Durante a semana, centenas de manifestantes saíram às ruas na Índia, para protestar contra a construção de reatores nucleares. A polícia de Manmohan Singh, o primeiro-ministro, disparou contra os manifestantes, assassinando um e ferindo vários.

A população teme que ocorra uma nova Fukushima. Teme também que o lixo radioativo possa interferir nas suas vidas. Além disso, o governo pretende pagar um valor baixo pela desapropriação das terras.

Com todo o respeito que temos pela Índia, não se pode afirmar, devido à pobreza da infraestrutura local, que seja o país mais adequado para a produção de energia nuclear. Se mesmo países como Japão e Estados Unidos passaram pelos maiores desastres nucleares, o que poderemos esperar da Índia?

* Tomi Mori é correspondente em Tóquio do Esquerda.net http://www.twitter.com/tomimorijapan.

** Publicado originalmente por Esquerda.net e retirado do site da Revista Fórum.