Yokohama, Japão, 17/6/2013 – O Japão, terceira economia mundial, procura fortalecer suas relações econômicas e comerciais com a África, para, entre outras coisas, se contrapor à forte presença da China nesse continente rico em recursos naturais. Os participantes de uma conferência de doadores de alto nível para seus países, organizada pelo Japão nos três primeiros dias deste mês, destacaram a necessidade de uma aproximação, já não pelos tradicionais empréstimos e pela assistência, que até agora definiram as relações, mas mediante o comércio e os investimentos.
“O crescimento anual registrado da África é superior a 6%, e o continente representa população em expansão e um importante mercado regional”, destacou Mokoto Ito, porta-voz da chancelaria japonesa, na quinta Conferência Internacional de Tóquio sobre o Desenvolvimento da África (Ticad), que terminou no dia 3, em Yokohama. “O Japão pode ter papel ativo, investindo em infraestrutura e fornecendo tecnologia industrial para impulsionar os bens manufaturados, além de fomentar as capacidades”, acrescentou.
Suas palavras claramente refletem o interesse de Tóquio nos recursos naturais africanos, vitais para suas necessidades energéticas. O Japão é fortemente dependente das importações de gás e petróleo. Também denotam um desejo de competição com seu rival regional, a China, cujo intercâmbio comercial com a África somou US$ 138,6 bilhões no ano passado, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), muito acima do comércio entre Tóquio e esse continente, que foi de US$ 30 bilhões.
A Ticad, um fórum com duas décadas de história, procura incentivar o diálogo e as sociedades entre as economias africanas e asiáticas. Goza do apoio de atores importantes, como Banco Mundial, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e a União Africana.
Ao falar a líderes de 40 países participantes do fórum, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, anunciou que, além de sua assistência oficial ao desenvolvimento, de US$ 14 bilhões, Tóquio também “oferecerá US$ 32 bilhões em investimentos públicos e privados para apoiar o crescimento econômico africano”. Abe assegurou que seu país não “escavaria e exploraria recursos apenas para trazê-los para o Japão”, e acrescentou que “apoiaremos a África para que seus recursos naturais permitam seu crescimento”.
Especialistas interpretaram isto como um questionamento à polêmica estratégia da China na África. Os investimentos chineses, de US$ 127 bilhões em projetos extrativistas e industriais em território africano, são criticados como uma “monopolização de recursos” e por não contemplar considerações de desenvolvimento humano. Abe também insistiu em uma transparência maior nas transações comerciais e prometeu fazer mais para proteger os direitos e a segurança de aproximadamente 30 mil africanos que vivem e trabalham no Japão.
Apesar destas expressões de boa vontade, alguns analistas estão decepcionados pelo fato de os participantes não terem abordado as relações a partir da perspectiva humana. Akio Shibata, diretor do Instituto de Pesquisa de Recursos Naturais, centro de estudos japonês focado no desenvolvimento agrícola, afirmou que a ênfase da Ticad nos investimentos privados e no comércio é perigosa para as vastas populações rurais no continente africano, que seguem vivendo em abjeta pobreza. Segundo o Banco Mundial, 48,8% dos habitantes da África subsaariana ainda vivem abaixo da linha de pobreza.
“Fiquei desiludido porque a Ticad ignorou temas fundamentais como as altas taxas de mortalidade materna, a proteção do meio ambiente e a justa distribuição da riqueza, que também são fundamentais para o desenvolvimento sustentável”, afirmou Shibata. Ele também alertou que as promessas de Tóquio ,de passar sua experiência tecnológica e apoiar as reformas estruturais na África, poderiam preparar o caminho para uma exploração mineira e agrícola de grande escala. Isso afetaria os pequenos produtores, que representam mais de 70% da população na maioria dos países africanos.
“Focar-se em projetos agrícolas de grande escala é um perigo para os pequenos agricultores, que enfrentam o risco de as grandes companhias os deixarem sem terra e sem trabalho”, advertiu Shibata. Este especialista falou em uma sessão da conferência da qual também participaram camponeses da província de Tete, de Moçambique, que protestam contra o Programa de Cooperação Triangular para o Desenvolvimento Agrícola das Savanas Tropicais (ProSavana).
Esse projeto procura converter grandes faixas da savana moçambicana em uma zona agrícola comercial para produzir soja destinada à exportação. Moçambique atualmente registra taxas de crescimento de 7%, mas está entre os três países africanos com piores índices em matéria de desenvolvimento humano.
Augusto Mafigo, agricultor e sindicalista em Moçambique, disse que os camponeses redobraram seus protestos contra o ProSavana por temerem que os faça perder suas pequenas porções de terra cultivável quando as companhias estrangeiras se instalarem. Esse cenário teria graves consequências para Moçambique, considerando que 80% da força de trabalho desse país de 23 milhões de habitantes é constituída por pequenos produtores.
Apesar disso, líderes africanos na conferência comemoraram a ideia de uma presença japonesa maior no continente. “O Japão trará tecnologia de qualidade e pode ter um importante papel como contrapeso à China”, disse à IPS Tseliso Nteso, do Ministério das Finanças de Lesoto. Outros funcionários governamentais expressaram sua esperança de que a mensagem da Ticad, de maior associação público-privada, marque o começo de um novo modelo de desenvolvimento, que seja “mais amável” com as populações marginalizadas do continente, especialmente as subsaarianas.
A economista Zuzana Brixiova, do Banco Africano de Desenvolvimento, afirmou que uma aproximação entre Japão e África também poderia servir para enfrentar outros temas globais, como o esgotamento dos recursos naturais, a mudança climática e a crescente desigualdade, desde que se concentrem em um desenvolvimento sustentável. Brixiova ressaltou à IPS que para isso é crucial fixar “padrões de desenvolvimento que possam garantir reformas inclusivas e estruturais” no continente africano. Envolverde/IPS