O amor entre seres diferentes e a linguagem coloquial, presentes nas obras para adultos do escritor baiano, estão também no centro de suas surpreendentes narrativas infantis.
Jorge Amado (1912-2001) é considerado um dos mais populares escritores brasileiros, se não o maior. Algumas de suas personagens extrapolaram os limites dos textos em que suas histórias são narradas para se instalarem, como se fossem pessoas reais, no imaginário de muitos brasileiros.
É o caso de Gabriela e Nacib, protagonistas do romance Gabriela, Cravo e Canela (1958). O turista que chega a Ilhéus, na Bahia, logo é convidado a conhecer lugares como o Bar Vesúvio, nos quais essas e outras personagens teriam “vivido” as aventuras impressas no livro.
É preciso lembrar que novelas de televisão, canções populares e filmes de cinema contribuíram para dar estofo quase mítico a personagens como Gabriela, Tieta e Quincas Berro D’Água. Não se pode esquecer, porém, que, antes das adaptações para telinhas e telonas, palcos e tablados, as personagens dos romances de Jorge Amado já eram assunto de conversa de milhares de leitores.
A fama do escritor começou a crescer ainda na década de 1930, quando ele publicou seus primeiros romances: O País do Carnaval (1931), Cacau (1932), Suor (1934), Jubiabá (1935) e Mar Morto (1936). Jubiabá é um marco em sua carreira: traduzido para o francês, tornou-se um sucesso internacional, elogiado por Albert Camus. Também é um marco em nossa literatura: o protagonista do romance, Antônio Balduíno, é dos primeiros heróis negros da ficção brasileira.
Formação política e intelectual
Na época, Jorge Amado vivia no Rio de Janeiro, onde se formara em Direito e fizera amizade com artistas e intelectuais de esquerda, como Raul Bopp, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre, José Lins do Rego e Vinicius de Moraes. Por intermédio de Rachel de Queiroz, aproximou-se do Partido Comunista, do qual se tornou militante. Sensível a problemas como a desigualdade social, tema recorrente em seus romances, exerceu intensa militância política, o que lhe causou perseguições, censuras e até a prisão, durante o Estado Novo (1937-1945).
O romance Capitães de Areia (1937), publicado naquele período, tem como personagens principais meninos de rua, vítimas do abandono, da miséria e de uma elite que prefere ignorá-los.
Em 1945, Jorge Amado foi eleito deputado federal pelo PCB. Um de seus projetos de lei instituiu no país a liberdade de culto religioso. Naquele mesmo ano, conheceu Zélia Gattai, companheira de toda a vida, com quem teve dois filhos, João Jorge e Paloma. Quando o filho João Jorge completou um ano, em 1948, ganhou de presente do pai o texto O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá. Não eram tempos tranquilos: o PCB fora decretado ilegal, Amado tivera o mandato cassado e a família havia se exilado na França. Os livros mais engajados do escritor, como a trilogia Os Subterrâneos da Liberdade, foram publicados ao longo dos anos 1950, quando ele se fixou na então Tchecoslováquia e viajou pelo Leste Europeu, América Latina e Oriente.
Após o rompimento com o partido, ainda na década de 1950, a produção literária de Jorge Amado mudou de rumo, embora a denúncia de problemas políticos e sociais não tenha desaparecido de seus livros.
No entanto, o humor, a sensualidade, o sincretismo religioso e a miscigenação ganharam maior destaque nas páginas de romances como Tenda dos Milagres (1969) e Tieta do Agreste (1977). Outro aspecto relevante em obras desse período é o modo natural com que elementos sobrenaturais se imiscuem na vida cotidiana, em livros como A Morte e a Morte de Quincas Berro Dágua (1961) e Dona Flor e seus Dois Maridos (1966).
Histórias para crianças
Em 1976, João Jorge encontrou, em seus guardados, o texto O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá. O livro foi publicado quase 30 anos após sua produção. A improvável história de amor entre o gato e a andorinha seria, mais tarde, adaptada para teatro e balé.
Outra história de amor é o tema de A Bola e o Goleiro (1984). O amor entre seres diferentes, tão constante na obra de Jorge Amado, é o centro de suas histórias para crianças. Nelas, encontramos também a linguagem fluida, coloquial e lírica de seus romances para adultos, assim como a defesa de valores – a liberdade, a igualdade, a autoestima, dentre tantos outros – e o diálogo com paixões e tradições populares, como o futebol e a poesia dos trovadores de rua. Ah, sim: mais tarde, quando adultos, seus alunos aprenderão que Jorge Amado foi membro da Academia Brasileira de Letras. A melhor maneira de apresentar-lhes o escritor, por enquanto, é provando o tempero das histórias desse narrador.
* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.