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Jornalistas ninjas não pretendem ser imparciais

Cazú Barros participa e informa de uma manifestação de rua no Rio de Janeiro, usando um tablet. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS
Cazú Barros participa e informa de uma manifestação de rua no Rio de Janeiro, usando um tablet. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

 

Rio de Janeiro, Brasil, 26/9/2013 – Os repórteres da Mídia Ninja, ao mesmo tempo narradores e protagonistas das manifestações de rua que aconteceram este ano no Brasil, criaram uma modalidade de informação alternativa: um jornalismo que se orgulha de ser parcial. Quando faltava pouco para começar um destes protestos, no dia 20, o “ninja” Cazú Barros se preocupava em ter bateria de reserva para seu telefone celular, pois deveria transmitir em tempo real muitas horas de um debate diante da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Seu equipamento contrasta com os portados por colegas de grandes empresas de rádio e televisão, desta vez ausentes por falta de interesse desses meios neste tipo de informação. Barros conta apenas com uma pequena câmera em seu tablet com conexão 3G. “O que mais impressiona na Mídia Ninja é o modo como as pessoas nos procuram pela credibilidade que temos. Não confiam mais nos noticiários tradicionais, porque se cansaram de ser manipuladas”, disse Barros à IPS.

Ninja, siga de Narrações Independentes, Jornalismo e Ação, surgiu há dois anos na cidade de São Paulo, como iniciativa da rede de produtores culturais Fora do Eixo, mas ganhou repercussão inédita em junho, com o despertar dos protestos populares contra o sistema político, a corrupção e os problemas de educação, saúde, transporte e emprego. Seus repórteres não vacilam em seguir, para denunciar, um suposto agente infiltrado ou provocador entre os manifestantes.

Por meio do streaming (transmissão em tempo real pela internet), esses jornalistas-ativistas conseguiram libertar um manifestante preso injustamente, acusado de ter lançado um coquetel Molotov. Suas imagens provaram sua inocência. O trabalho da Mídia Ninja às vezes coíbe a repressão policial. Seus “olhos”, que estão por todo lado, mostram a polícia batendo em manifestantes indefesos. “Essa sempre foi nossa preocupação. Fazer uma narrativa específica de como estamos sentindo as ruas enquanto repórteres”, explicou Felipe Peçanha, um dos fundadores da Mídia Ninja, detido por suposta “incitação à violência” e liberado por falta de provas.

Entretanto, os 200 jornalistas voluntários da Mídia Ninja, nas cidades mais importantes do país, não estão sozinhos. Contam com apoio de seus seguidores no Twitter, que citando a conta @MidiaNINJA fazem comentários, alertando, por exemplo, quando se aproximam soldados do Batalhão de Choque. No momento mais quente das manifestações, em junho e julho, suas transmissões obtiveram audiência de 180 mil pessoas. Os “curtir” de internautas em sua página do Facebook passam dos 212 mil.

“É um meio que tem mais liberdade de abordar temas de modo mais integral. Não mostra apenas um lado como verdade absoluta, mas todos os fatos, e deixa que o telespectador crie sua própria realidade a partir das imagens”, afirmou à IPS um de seus seguidores, o estudante Thiago Cavalcante. As maciças mobilizações também expressaram descontentamento com os meios de comunicação tradicionais, em particular as redes de televisão.

Além de agências bancárias, alguns manifestantes também atacaram a pedradas a sede da Rede Globo, a emissora de tevê mais importante do país e uma das maiores da América Latina, e vaiaram seus jornalistas. Também incendiaram veículos de transmissão externa de outras duas emissoras, SBT e Rede Record. “Há uma parcialidade da imprensa que foi colocada em xeque, pois a sociedade brasileira, com as manifestações, percebeu da forma mais evidente o jogo de interesses desses consórcios da mídia”, deatacou Peçanha.

Isso ficou claro graças às transmissões alternativas, mas também pela própria constatação de cada manifestante, segundo Peçanha. “Ao voltarem de um protesto, muitos ligavam a televisão em suas casas e viam uma história muito diferente da que presenciaram. E aí começaram a se convencer de que alguma coisa não vai bem”. Para a Mídia Ninja, como para outros meios alternativos que crescem vertiginosamente a partir deste modelo particular de transmissão, a neutralidade jornalística “é uma grande mentira”.

Peçanha não esconde que seu objetivo é estar junto aos movimentos sociais, que tradicionalmente não têm voz em boa parte dos meios de comunicação convencionais. Tampouco estes são “imparciais” e respondem a interesses próprios e do poder econômico que representam, embora de uma forma menos transparente, acrescentou. “Nosso trabalho destaca que existe parcialidade na imprensa, o que deve ser cada vez mais evidente para que a população tenha um contato mais honesto com as informações”, ressaltou.

Pesquisas feitas para o site Internet Oops indicam que, entre 31 de agosto de 2012 e a mesma data deste ano, a audiência da Rede TVNews caiu 41%, a do Jornal Nacional, da Globo, e do Jornal da Band, do grupo Bandeirantes, caíram 12%, a do Brasil Urgente, do mesmo grupo, 18%, e a do Jornal do SBT, 6%. Esta perda de audiência dos noticiários de televisão é atribuída por analistas à multiplicação do espaço virtual e à explosão do uso da internet, junto com a queda de credibilidade de suas mensagens.

“Perdem credibilidade e audiência e, por fim, publicidade, inclusive dentro dos horários dos noticiários. Diante disso, o impacto na opinião pública é importante, porque o usuário da internet também é formador de opinião”, pontuou à IPS a especialista em comunicação Rachel Boechat, colaboradora da Midi Ninja. Ela considera que os novos meios contribuem “de uma maneira crucial para a democratização da informação”. Sua presença quebra o discurso único da mídia do Brasil, que se converteu em entidades concentradas “de interesses políticos, partidários e econômicos”, opinou.

Para Vinicius Braz, consultor de redes do capítulo brasileiro da alemã Fundação Konrad Adenauer, isto faz parte de outras mudanças em evolução. “Esse mundo velho, definido por um Estado e um sistema de comunicações, está se fragmentando aos poucos”, indicou à IPS. Nesse aspecto, acrescentou, “o relevante” da Mídia Ninja é ter colocado em evidência um fenômeno maior: “as pessoas estão se dando conta de que podem fazer suas próprias narrações e compartilhá-las em tempo real, sendo que para isso não precisa ser jornalistas”. Envolverde/IPS