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Jovens cubanos têm olhar crítico sobre a paternidade

Um jovem cubano e seu filho em uma rua de Havana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 17/1/2013 – Muitos jovens em Cuba apostam em superar os preconceitos sobre seu papel de pais, embora outros sigam o modelo tradicional e repitam histórias de abandono e irresponsabilidade, com fortes consequências familiares pelo contexto econômico e legal do país. “Vários assumem a paternidade de maneira responsável e diferente, mas outros não. Tenho a percepção de que depende do ambiente em que se desenvolva, se o bebê é desejado e a idade”, disse Raynol Pérez, que aos 24 anos faz quase todas as noites sua pequena Vanessa dormir. Para ele, o período da gravidez é fundamental.

“A partir desse momento, o envolvimento ou não do futuro pai indicará a maneira como assumirá essa tarefa”, opinou Pérez à IPS. “É só observar quantos acompanham as grávidas às consultas. Continuam sendo poucos”, lamentou este jovem casado e que teve sua filha enquanto estudava direito na Universidade de Havana. Em Cuba, são escassas as pesquisas sobre o papel paterno, focadas a partir do próprio homem, revelou a psicóloga Anais Ángela Chapelli, no artigo Um olhar sobre o exercício da paternidade em famílias cubanas, publicado em 2011. A seu ver, é preciso conhecer mais as percepções e vivências masculinas a respeito.

Influem nas mudanças sobre a paternidade algumas fissuras no patriarcado pelos avanços femininos e pelo aumento das uniões consensuais, pela imigração, mães solteiras, pelos divórcios, pelas uniões homossexuais, famílias compostas e monoparentais encabeçadas por homens. O mais de meio século de políticas públicas a favor da mulher não conseguiu eliminar a arraigada cultura machista cubana, com sua carga de estereótipos sobre o que significa ser pai ou mãe. Além disso, enquanto prolifera o trabalho social para avançar na transformação feminina, são poucas as iniciativas para promover a mudança masculina.

No entanto, especialistas, como a jovem socióloga Magela Romero, identificam uma tendência nas famílias cubanas no sentido de o homem deixar de ser o único a proporcionar qualificação e renda, e, paralelamente, participar mais da vida doméstica e experimentar novas formas de ser pai. Contudo, esses profissionais afirmam que o papel paterno continua mais relegado do que o materno. Nesse sentido, o estudante universitário Enmanuel George destacou para a IPS o quanto está arraigada a ideia de que a função dos pais é apenas a de “provedores econômicos e materiais”. E frases populares como “Mãe só existe uma, pai é qualquer um”, perpetuam esse pensamento, acrescentou.

A visão da jornalista Lourdes Pasalodos apresenta outros aspectos. Em seu livro Em nome do filho, publicado em 2009, foi investigado pela primeira vez “em voz alta” e “a partir do senso comum” temas como abandono e irresponsabilidade paternos. “Esta é uma questão de homens e mulheres”, disse a escritora à IPS. A seu ver, “a presença do homem na família perdeu importância” por fatores como a alta emigração masculina na década de 1990 e a persistência de uma cultura machista “que os afasta do lar”, entre outros. “Após os divórcios e as separações, muitos pais esquecem suas responsabilidades com os filhos, provocando neles danos psicológicos, afetivos e econômicos”, acrescentou.

Entre 2010 e 2011, os casamentos realizados anualmente no país aumentaram levemente e os divórcios diminuíram, mas essa taxa ainda continua elevada. Entretanto, o último estudo sobre fecundidade, realizado em 2009 pelo Escritório Nacional de Estatísticas e Informação, mostra que os jovens optam mais pela união consensual e que para eles “mudou o significado tradicional do casamento”, deixando de ser necessário para a iniciação sexual e ter filhos.

Pasalodos assegurou que é necessária uma mudança cultural e educacional. “Muitos vivem em família, mas estão ausentes porque deixam tudo aos cuidados das mães”, citou a jornalista, como exemplo. “Temos que pôr em dia a educação e ensinar os meninos desde o primário que existem os papéis de pai e mãe, entre outras coisas”, pontuou. Por isto, pouco impacto tiveram os avanços legislativos em matéria de gênero nos últimos tempos. Até 2007, apenas 17 pais tiveram o direito de cuidar ou compartilhar os cuidados de seus filhos no primeiro ano de vida, incluído no decreto-lei 234 de 2003. Segundo fontes oficiais, esta situação não mudou até hoje.

A medida, proposta pela não governamental Federação de Mulheres Cubanas (FMC), garantiu o direito dos pais trabalhadores a licença de um ano para cuidar dos seus bebês em caso de viuvez ou abandono materno, e de seis meses para substituir o cuidado direto das mães após terminar o período de amamentação materna exclusiva.

Uma bióloga de 25 anos, que vive na cidade de Cienfuegos, 232 quilômetros a sudeste de Havana, disse que a separação de um casal transforma a relação paterna, pois a descendência fica, em geral, com a mãe. Após a separação, no caso dos homens aparece em muitas ocasiões o que se conhece popularmente como “divórcio dos filhos”, opinou a jovem que pediu para não ser identificada, concordando com outras fontes consultadas.

“Não digo isso pelo meu caso e da minha filha. Com muitas pessoas à minha volta aconteceu isso”, disse à IPS por telefone a jovem empregada em um centro estatal de pesquisas. A seu ver, influi a responsabilidade de cada pai, acrescentando que o Código de Família, vigente desde 1975, “está muito desatualizado e geral”. A jovem revisou cada item dessa lei, que “diz tudo, mas não especifica nada”, antes de ir aos tribunais para fixar o valor da pensão alimentícia que seu ex-marido deveria pagar à filha, entre outros acordos.

“Tive sorte porque meu advogado tinha muita experiência e a juíza se preocupou com a segurança da minha menina”, acrescentou. “Conseguimos uma pensão alta em comparação com as acordadas usualmente e que a menina não dormisse fora de casa até terminar o período de amamentação”, afirmou a jovem. Porém, “o dinheiro que deve ser enviado mensalmente não basta, na prática, para compartilhar a manutenção, e se ele não vem vê-la nem se preocupa com ela, nada acontece”, lamentou.

Muito avançado para sua época em proteção infantil e igualdade de gênero, este estatuto exige modificações com vista aos cenários atuais da família cubana, afirmam ativistas. Entretanto, o parlamento ainda não discute a proposta de novo código, apresentada há vários anos pela FMC e pela União Nacional de Juristas de Cuba. Envolverde/IPS