Sana’a, Iêmen, 13/5/2011 – Os jovens que protestam contra o governo no Iêmen aprenderam uma lição vital sobre o mundo da política: a traição é sempre uma ameaça. Na Praça da Mudança, principal local de protestos em Sana’a, cresce o ressentimento com a coalizão opositora Reunião Conjunta dos Partidos desde que anunciou que assinaria um acordo com o presidente Ali Abdullah Saleh. Esta polêmica iniciativa foi proposta em abril pelo Conselho de Cooperação do Golfo, formado por seis nações da região. Os Estados Unidos, forte partidário de Saleh, apoiaram o acordo proposto e exortaram todas as partes a assiná-lo.
Entretanto, muitos jovens manifestantes, que lançaram um movimento civil pela mudança de regime em meados de janeiro, afirmam que não estão ligados a nenhum partido em particular e rejeitam a estratégia do Conselho. Sua principal crítica ao acordo é que concede imunidade a Saleh, bem como a alguns de seus aliados e familiares. Em troca, o presidente, no poder desde 1978, deve renunciar um mês após a assinatura do pacto. Isso diferenciaria o Iêmen do ocorrido na Tunísia e no Egito, onde os governantes tiveram que abandonar o poder pela pressão popular sem garantir nenhum privilégio.
Hesham Lutf, desempregado, que está na Praça da Mudança desde meados de fevereiro, onde se instalou em uma barraca diante da Universidade de Sana’a, disse que a maioria dos manifestantes estava desiludida com a coalizão opositora. “Recebíamos qualquer um na Praça, no início, mas vimos que a coalizão foi assumindo tudo e que faz coisas que não sabemos. Nunca nos informam o que fazem. Simplesmente nos usam para obter o que desejam. Muitos jovens morreram desde que aderiram ao movimento”, afirmou Hesham à IPS.
Hesham se referia às dezenas de mortes ocorridas na Praça da Mudança quando críticos do governo enfrentaram partidários de Saleh. Franco-atiradores, supostamente do regime, mataram 53 manifestantes no dia 18 de março. Hesham disse, ainda, que os jovens queriam eleger novos líderes e não permitiriam que a coalizão opositora simplesmente assumisse o controle. “Queremos que a coalizão parta antes do presidente. Não precisamos do presidente e não precisamos deles. A coalizão é uma cópia do governo. Estamos fartos de seus rostos. Queremos novas caras e um novo país”, afirmou Hesham.
Anas Homaid, estudante da temporariamente fechada Universidade de Sana’a, disse estar furioso pela intenção do Conselho de dar imunidade a Saleh. “Muitas pessoas disseram que o presidente ficaria livre, mas ninguém deveria escapar da lei. Isso não deveria acontecer”, disse Anas à IPS. “Saleh tem de ir para a prisão. Todo aquele que tenha responsabilidade por crimes contra o povo deve ir para a cadeia. Esses crimes contra a humanidade devem ser julgados em um tribunal”, acrescentou.
Amr al-Khateeb, eletricista, disse que o presidente fez muitas coisas ruins para merecer imunidade. “Matou jovens”, disse à IPS. “Havia muito sangue nas ruas. Nunca será libertado depois de ter matado tantas pessoas. As famílias dos assassinados não permitirão”, acrescentou.
Nadia Abdalá, engenheira em tecnologias da informação, expressou desconfiança por todos os partidos políticos porque “são parte do mesmo regime”, explicou. “Houve muito tempo para negociar. Isto mostra que são parte do mesmo regime. Desde os primeiros dias, os manifestantes se amavam. Mas quando a coalizão começou a negociar com o regime a situação ficou desagradável. Era difícil falar com eles. Começaram a falar em ignorar a juventude. Não confio neles para nada”, ressaltou.
Outras cláusulas da iniciativa do Conselho estabelece que Saleh deve entregar o poder ao seu vice, que convocaria novas eleições e prepararia o caminho para a formação de um governo de unidade, no qual a oposição teria papel de liderança. Isso desagradou tanto opositores quanto partidários do presidente, que foram às ruas em todo o país protestar contra o plano, resultado de pelo menos uma dezena de reuniões do Conselho em Riad.
Salah Sharafi, estudante de linguística inglesa na Universidade de Sana’a, disse que perdeu toda esperança na coalizão opositora, à qual acusou de “usar a juventude em seu benefício”. Salah disse à IPS que os manifestantes jovens estão dispostos a criar um grande caos no país se o acordo for assinado. “Fiquei decepcionado com a coalizão desde o começo. Tentaram sequestrar esta Praça, mas permitimos que participassem porque precisávamos deles. Se for assinado, então veremos uma verdadeira crise no Iêmen. Começaremos uma nova revolução contra governo e oposição. Todos são parte do mesmo regime”, afirmou.
Abdullah Sharabi é engenheiro e colabora voluntariamente no centro de mídia e informação da Praça da Mudança e concorda com o que disse Salah, afirmando à IPS que o acordo é “um jogo sujo para matar esta revolução. Não atende as demandas da revolução. É uma solução apenas para o presidente, mas não para os jovens”, afirmou. “A oposição traiu os jovens. Não confiamos nela porque está cheia de armadilhas. Queremos manter uma relação de harmonia com a oposição até que o regime seja derrubado”, acrescentou. Envolverde/IPS