Acra, Gana, 17/12/2013 – A jovem Fizer Boa, de 20 anos, mudou-se para a capital de Gana para trabalhar no mercado local Abobloshie como transportadora, ou kayayei. Desde então, dorme por ali mesmo, no chão. “Concordei com minha mãe quando me aconselhou a me unir a uma amiga que trabalhava com kayayei em Acra. Não fui contra porque com dificuldade poderíamos ter três escassas refeições por dia”, contou à IPS.
A redução das chuvas no distrito de Bunkpurugu-Yunyoo, na Região Norte de Gana, terra natal de Boa, provoca perdas nos cultivos nos dois últimos anos e deixou sua família, e outras mais, sem meios de sustento. O trabalho de Boa na cidade implica transportar produtos em suas costas ou na cabeça de um lugar a outro, e para cada viagem ganha entre US$ 0,50 e US$ 6.
Tão logo chegou a Acra, suas duas irmãs decidiram abandonar a escola e seguir seu exemplo, para trabalhar também como transportadoras. “Minhas irmãs abandonaram a escola para virem para Acra, porque minha mãe já não pode pagar as taxas adicionais, como as cobradas pela Associação de Pais e Mestres, nem comprar o material escolar”, explicou Boa. O ensino é gratuito nesse país da África ocidental, mas cada escola cobra suas taxas adicionais para cobrir gastos administrativos.
Juntas, as três irmãs podem ganhar até US$ 30 em um bom dia. O ofício de kayayei é, geralmente, realizado por crianças e adultos da Região Norte que migram para o sul de Gana em busca de sustento. Wilson Dogbe, do Instituto de Pesquisa Agrícola na Savana, apontou à IPS que a mudança climática é um dos fatores principais dessa migração. A Região Norte é predominantemente rural, e os agricultores são os mais vulneráveis aos efeitos do aquecimento global.
“O problema é que a Região Norte experimenta escassas chuvas, infertilidade do solo e aumento da temperatura, de até 47 graus”, detalhou Dogbe, cujo instituto faz parte do Conselho para a Pesquisa Científica e Industrial. “É evidente que, segundo a pesquisa realizada nos últimos anos, a escassez de terra e a infertilidade do solo são os principais elementos que expulsam as pessoas em busca de lugares mais seguros no sul”, afirmou.
O não governamental Centro de Ação para a Tomada de Consciência no Setor do Norte (Norsaac), com sede em Tamale, a capital da Região Norte, estima que o número de kayayei em Acra e na cidade de Kumasi, também no sul, supera os 80 mil. Alguns desses refugiados climáticos, em sua maioria mulheres entre 18 e 30 anos enviadas por suas famílias para ajudar na renda familiar, trabalham como distribuidoras de água, ajudantes em restaurantes, vendedoras ambulantes e atendentes do comércio.
Mas sua existência é precária. Mohammad Awal, diretor do Norsaac, disse à IPS que essas jovens representam o grupo mais vulnerável dos refugiados climáticos, pois não têm onde viver e dormem ao ar livre em paradas de caminhões, à mercê do clima e de outras ameaças. “Muitos desses migrantes, especialmente as adolescentes, regressam para suas famílias portando doenças sexualmente transmissíveis”, afirmou.
As que engravidam não podem identificar o pai ou têm problemas com sequelas por terem feito abortos em condições precárias. Boa admitiu ter enfrentado situações em que correu risco de vida e que foi assediada por homens, mas afirmou que não tem outra opção que não seja dormir ao ar livre.
Dogbe pontuou que a Autoridade para o Desenvolvimento Acelerado da Savana (Sada), criada em 2010 pelo governo para aliviar a pobreza no norte e atender o problema da migração interna, não conseguiu muito progresso. “Supunha-se que daria oportunidades aos agricultores pobres, especialmente às mulheres, para adquirirem propriedades, manterem sua produção de alimentos e protegerem o frágil ecossistema da Zona Ecológica da Savana Norte. Mas não foi feito muito”, lamentou.
Dogbe disse que 80% das estradas da Região Norte continuam intransitáveis, e que os agricultores não têm máquinas necessárias, como tratores e colheitadeiras, para facilitar seu trabalho, e acrescentou que os produtores precisam de empréstimos brandos para comprar insumos e sementes. Porém, o vice-ministro de Alimentação e Agricultura, Ahmed Yakubu Alhassan, disse que a Sada e o Projeto Comercial Agrícola de Gana assegurarão que a região se converta novamente no celeiro do país.
O Banco Mundial e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento internacional (Usaid) criaram esse projeto com US$ 145 milhões para desenvolver infraestrutura, como estradas e redes de irrigação, para melhorar a produtividade das planícies de Acra e o norte de Gana. Enquanto isso, Boa e suas irmãs deverão se esforçar para ganhar a vida. “Se tivermos sorte trabalharemos duro para economizar dinheiro e enviá-lo aos nossos pais”, afirmou a jovem. Mas ela e suas irmãs sonham em ser mais, como “estilistas, para ter uma renda decente”, acrescentou. Envolverde/IPS