Cairo, Egito, 11/8/2011 – Muitos egípcios acompanharam pela televisão a primeira audiência do julgamento do deposto presidente Hosni Mubarak, acusado de corrupção e assassinato, entre outras acusações. O fato parece ter acalmado o mal estar popular em relação ao conselho militar que provisoriamente governa o país. Os manifestantes voltaram em massa à Praça Tahrir na primeira semana de julho, em protesto pela lentidão com que o Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA) atende as reclamações revolucionárias.
Além de julgar Mubarak e seus assessores, os manifestantes querem “purgar” as instituições estatais de funcionários do regime e terminar imediatamente com os processos de civis em tribunais militares. As forças de segurança dissolveram um protesto no dia 1º deste mês, com métodos que recordaram as repressões durante a revolta popular que começou em 25 de janeiro. Os remanescentes foram desalojados pela força da Praça nos dias seguintes, com uso de veículos blindados que cercaram o local.
“O julgamento de Mubarak ajudou muito a restaurar a fé dos manifestantes no CSFA”, disse Rahman Abu Zaid, membro fundador do esquerdista Partido Popular do Egito, ainda não registrado. “Contudo, o uso da força contra cidadãos pacíficos é totalmente inaceitável neste país depois da revolução”, disse à IPS. Muitos ativistas afirmam que o julgamento esperado há tempos nunca teria se concretizado se não fosse a intensa pressão popular na Praça Tahrir.
“O primeiro comparecimento de Mubarak perante a justiça obedece diretamente à manifestação de um milhão de pessoas no dia 8 de julho e da ocupação da Praça por tempo indeterminado que se seguiu”, afirmou Moustafa Abdel Moneim, coordenador geral do movimento revolucionário de jovens Bediya (“começo”). “Foi um acontecimento histórico”, ressaltou Abdel Ghani Hindi, coordenador geral do Movimento Popular pela Independência de Al-Azhar. “É uma advertência para os futuros governantes do Egito, e ditadores do mundo, de que não se pode perseguir seu povo de forma impune”, afirmou à IPS.
No dia 3, Mubarak compareceu, em maca, ao tribunal penal do Cairo, onde negou as acusações de abuso de poder e sua responsabilidade na morte de manifestantes pacíficos durante o levante popular. “Nego categoricamente todas as acusações”, declarou o ex-presidente de 83 anos, do enjaulado local reservado para os réus. Mais de 800 pessoas morreram na revolta de 18 dias que levou à renúncia de Mubarak, que pode ser condenado à morte.
O comparecimento de Mubarak ao tribunal foi divulgado pelos canais de televisão abertos. Ele apareceu junto aos seus filhos, Alaa e Gamal, que também se declararam inocentes. Na mesma sessão, o ex-ministro do Interior, Habib al-Adli, e seis altos oficiais da polícia, também acusados da morte de manifestantes, se declararam inocentes.
“Esse dia ficará para a história”, disse Ahmed Maher, coordenador geral do movimento de protesto 6 de Abril. “A ansiada presença de Mubarak e Al-Adli diante de um juiz me leva a pensar que os mártires da revolução, e todas as pessoas torturadas e assassinadas durante seu regime, finalmente serão vingados”, afirmou Maher à IPS. A próxima audiência do processo, considerado pelos egípcios como o “julgamento do século”, está marcada para o dia 15 de agosto.
A presença de Mubarak na cela dos acusados foi “um marco para o Egito e o mundo árabe”, disse Ayman Salamma, professor de direito internacional da Universidade do Cairo. “É a primeira vez na história moderna que um chefe de Estado é julgado pelo povo em um tribunal convencional”, disse Salamma à IPS, explicando que o julgamento do deposto presidente iraquiano Saddam Hussein, que terminou com sua execução em 2006, “foi realizado por uma potência ocupante”.
“Ativistas de todo o espectro político, que reclamavam o imediato julgamento dos responsáveis pelos manifestantes mortos, sentiram-se aliviados ao verem Mubarak perante a justiça”, destacou Ibrahim Mansour, editor-chefe do novo jornal independente Al-Tahrir. “Ao começar o julgamento, o CSFA demonstrou sua boa fé, que não está confabulando com elementos do regime anterior, como alguns começavam a crer, e está, de fato, disposto a atender as demandas populares”, afirmou Hindi.
Especialistas em direito acreditam que o ex-presidente será declarado culpado das acusações mais graves, como ordenar às forças de segurança disparar contra os manifestantes. “A falta de provas não basta para considerá-lo inocente”, disse o reconhecido professor de direito Atef al-Banna, da Universidade do Cairo. “O simples fato de não ter sido emitida nenhuma ordem de não disparar evidencia sua culpabilidade”, explicou.
É provável que o processo em curso apague as concentrações na Praça Tahrir, pelo menos por um tempo, disse o jornalista Mansour. “Porém, pode haver marchas e concentrações contra a lenta implantação de outras demandas revolucionárias”, acrescentou. “O julgamento de Mubarak é muito positivo, embora tardio”, disse Maher, do movimento 6 de Abril. “Mas as instituições estatais devem eliminar todos os vestígios do regime e aplicar todo o peso da lei a outros funcionários implicados em atividades ilegais”, acrescentou.
“Os egípcios nunca esquecerão os crimes cometidos por Mubarak em seus 30 anos de governo, como as detenções arbitrárias na rua e o difundido uso da tortura”, disse Abdel Moneim, do movimento Bediya, ao ser consultado se a presença do ex-presidente pode provocar o sentimento de dó em algumas pessoas. Envolverde/IPS