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Justiça dos Estados Unidos ratifica lei sobre minerais de sangue

Mineradores artesanais buscam diamantes ao redor da cidade de Koido, em Serra Leoa. Foto: Tommy Trenchard/IPS
Mineradores artesanais buscam diamantes ao redor da cidade de Koido, em Serra Leoa. Foto: Tommy Trenchard/IPS

Washington, Estados Unidos, 26/7/2013 – Um juiz federal dos Estados Unidos ratificou uma norma crucial para garantir que o lucro derivado da extração de minerais na África central não beneficie grupos armados, especialmente na República Democrática do Congo (RDC). “É uma grande vitória. A sentença é importante para que as companhias prestem conta e para garantir que assumam sua responsabilidade pelo impacto que tem o que compram”, afirmou à IPS Corinna Gilfillan, diretora do escritório norte-americano da Global Witness.

“O artigo em questão atraiu uma atenção sem precedentes no leste do Congo, o que aumentou de forma significativa o controle sobre as cadeias de fornecimento. Depois de tudo, qual companhia desejará estar vinculada com o financiamento de violações dos direitos humanos na África?”, observou Gilfillan. O artigo, conhecido como seção 1502, ou de “minerais de conflito”, foi promulgado de 2010 dentro da Lei de Reforma de Wall Street e Proteção ao Consumidor Dodd-Frank. Em agosto de 2012, foi detalhado como as empresas registradas nos Estados Unidos deveriam implantar a lei.

A seção 1502 estabelece que, a partir do início deste ano, as companhias que utilizam qualquer dos quatro minerais previstos (ouro, estanho, tungstênio ou tantálio, de amplo uso em eletrônica) procedentes da RDC ou de países vizinhos deverão apresentar provas de que realizaram todos os trâmites necessários para garantir que sua compra não beneficia grupos armados. Rapidamente, as poderosas associações comerciais, representando empresários e fabricantes norte-americanos, apresentaram um recurso alegando que a disposição impõe custos exorbitantes que não estão bem avaliados, entre vários outros argumentos.

No começo deste mês, a justiça norte-americana revogou outro artigo da Lei Dodd-Frank que estabelecia que as grandes mineradoras deveriam informar todos os pagamentos que realizaram a governos estrangeiros. Contudo, no dia 23, o juiz Robert Wilkins rejeitou cada uma das reclamações e determinou que a análise econômica da Security & Exchange Commission (SEC), órgão encarregado de proteger os investidores e manter a integridade dos mercados de valores, é “perfeitamente apropriada”.

“Considerando os elementos do plano de informação, o tribunal encontra um equilíbrio razoável entre as disposições relevantes da seção 1502 e os objetivos para os quais aponta a lei e o Congresso, de promover a paz e a segurança na RDC e à sua volta”, escreveu Wilkins em uma detalhada sentença de 63 páginas. A Câmara de Comércio dos Estados Unidos, uma das principais litigantes neste caso, disse em uma declaração enviada à IPS que ainda “examina a sentença do tribunal” e suas “opções daqui para frente. Continuamos acreditando que esta lei, embora bem intencionada, não se sustenta nos próprios registros da agência”, afirmaram os empresários.

No momento, a resolução do dia 23 prepara o caminho para a total implantação da seção 1502, sem mais demandas pendentes. Apesar da incerteza que prevaleceu até esta semana em torno da lei, o próprio governo da RDC e grandes companhias norte-americanas se adiantaram em tomar medidas a respeito. “Houve uma forte desconexão entre os grandes grupos industriais e suas posições extremas e algumas medidas tomadas por empresas particulares para se ajustarem às normas”, declarou Gilfillan. “Muitas não esperaram que a resolução do processo judicial lhes retirasse o problema dos ombros, e trabalharam ativamente para respeitá-la”, afirmou.

A gigante General Electric (GE), por exemplo, declarou em maio que “compartilha o compromisso de assumir a responsabilidade de aliviar o sofrimento causado pelo conflito na RDC”. E acrescentou que, apesar de integrar a Câmara de Comércio, “as opiniões e posições expressadas por ela são dela, e não da GE”. Outras grandes companhias que se distanciaram da Câmara de Comércio nos últimos meses são Microsoft e Motorola. Além disso, foram criadas e se fortaleceram iniciativas industriais internacionais após a aprovação da seção 1502, como o Programa para Fundições Livres de Conflitos.

“Pedimos a todas as empresas que façam todo o possível para que os minerais que utilizam não alimentem as violações dos direitos humanos”, insistiu Gilfillan. “Temos uma situação muito difícil no leste da RDC, não podemos demorar mais”, ressaltou. Por sua vez, o Ministério da Mineração do Congo declarou, no final de 2011, que a lei é “uma grande oportunidade” para desvincular os minerais da violência. O controle dos recursos naturais está no centro do conflito na RDC há mais de cem anos.

O governo congolense apresentou, no ano passado, uma lei que obriga as empresas que utilizam os minerais de sangue a acompanharem o devido procedimento na cadeia de fornecimento, para garantir que o que compram não serve para financiar violações dos direitos humanos. As autoridades já suspenderam duas empresas chinesas por não aderirem a este processo. A Lei Dodd-Frank serve de catalisador de ações globais contra os minerais de conflito. A União Europeia estuda a adoção de uma política semelhante à seção 1502. Há pouco terminou um processo de consulta e se prevê que exista um projeto de lei ainda este ano.

Porém, algumas organizações da sociedade civil estão descontentes porque Washington ainda não implanta pautas internacionais sobre direitos humanos e responsabilidade empresarial. No dia 24, a coalizão Icar (International Corporate Accountability Roundtable), que reúne organizações de direitos humanos dos Estados Unidos dedicadas à responsabilidade empresarial, enviaram carta ao presidente Barack Obama pedindo que priorize a implantação dos Princípios Reitores sobre Empresas e Direitos Humanos, aprovados pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2011.

A carta diz que uma missão de investigação da ONU concluiu que nos Estados Unidos havia “vazios significativos” nos esforços para implantar os Princípios Reitores, bem como “pouco reconhecimento de que os direitos humanos são valiosos para a conduta empresarial”. A decisão judicial desta semana sobre a seção 1502 “reconhece que as empresas têm uma responsabilidade em matéria de direitos humanos e que o governo dos Estados Unidos e órgãos como a SEC podem e devem garantir que as operações empresariais não tenham um impacto negativo sobre eles”, disse à IPS Amol Mehra, diretor da Icar, com sede em Washington.

“Pedimos um enfoque geral do governo no tocante à relação entre empresas e direitos humanos, e que o presidente Obama aproveite a designação de cargos importantes em agências e departamentos para cumprir com o dever de Washington de proteger os direitos humanos”, enfatizou Mehra. “Esperamos que haja mais medidas para garantir que precedentes como o artigo sobre os minerais de conflito sejam defendidos, promovidos e ampliados”, afirmou. Envolverde/IPS