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Karachi presa entre criminosos armados e guarda-costas

Há cerca de 300 mil guardas de segurança privada registrados no Paquistão. Foto: Zofeen Ebrahim/IPS
Há cerca de 300 mil guardas de segurança privada registrados no Paquistão. Foto: Zofeen Ebrahim/IPS

 

Karachi, Paquistão, 26/8/2014 – A população rica desta cidade portuária do Paquistão, de 20 milhões de habitantes, percorre as agências de segurança privada para se proteger da escalada de assassinatos e sequestros diante de uma polícia deficiente. As pessoas de maior poder aquisitivo, que frequentemente são alvo de sequestros para extorsão, começaram a contratar guarda-costas e se deslocam em veículos blindados ou à prova de bombas.

Karachi é uma das cidades mais perigosas do mundo porque os criminosos, armados até os dentes, agem impunemente enquanto a polícia, com falta de pessoal, luta para mantê-los controlados. Um estudo feito pela polícia da província de Sindh indica que em Karachi, capital provincial, há 26.847 policiais, dos quais 8.541 trabalham para proteger pessoas específicas e lugares estratégicos, como o porto, o aeroporto e o terminal petroleiro.

Do total, 3.102 policiais se dedicam à investigação. Apenas 14.433 agentes, em turnos de 12 horas diárias, são responsáveis por manter a lei e a ordem e proteger vidas e propriedades da população de Karachi. Isso equivale a apenas um policial para cada 1.524 habitantes da cidade, que registrou 40.848 crimes em 2013, entre eles 2.700 homicídios.

“Existe um descarado uso indevido da polícia de Karachi porque a cultura ‘vip’ imperante afasta os agentes de suas respectivas delegacias”, afirmou Jameel Yusuf, ex-chefe da Comissão de Ligação entre os Cidadãos e a Polícia (CPLP), uma organização que trabalha em estreita colaboração com a força da ordem local e o governo provincial. A deficiência da segurança pública e a crescente demanda por proteção nos últimos 20 anos geraram um enorme mercado para as companhias de segurança privadas.

O coronel Nisar Sarwar, ex-presidente da Associação de Agências de Segurança do Paquistão (APSAA), informou à IPS que o país tem cerca de 300 mil guardas de segurança privados e que destes entre 70 mil e 75 mil se encontram na província de Sindh, dos quais 50 mil trabalhando em Karachi. Das 1.500 agências de segurança do país, 300 integram a APSAA, mas Sarwar assegura que existe um sem número de outros grupos privados, com armas sofisticadas, que fornecem segurança a famílias.

Os clientes ricos estão dispostos a pagar generosamente por essa segurança. A blindagem de um veículo 4×4 custa entre US$ 30 mil e US$ 45 mil no Paquistão. Um veículo novo blindado custa entre US$ 150 mil e US$ 170 mil no mercado internacional, segundo o jornal Pakistan Today, uma soma enorme neste país onde 60% da população vive com menos de US$ 2 por dia, segundo dados oficiais.

No último ano, houve uma “queda de 50% em diversos delitos”, afirmou Chinoy, chefe da CPLC, à IPS. Sarwar, diretor da Delta Security Management, uma das primeiras agências de segurança do país, fundada em 1988, garante que muitas famílias e pessoas ricas recorrem à proteção das empresas privadas.

O ex-chefe da policia de Karachi, Shahid Hayat Khan, disse à IPS que o crime e a política seguem de mãos dadas na cidade. “Se completam, diferentes partidos políticos empregam os delinquentes. Alguns pertencem ao partido, mas a maioria é de grupos criminosos dedicados à extorsão ou ao narcotráfico”, ressaltou. “Depois, há alguns grupos religiosos extremistas, que às vezes estão relacionados com o narcotráfico”, acrescentou. Também há guardas privados implicados em vários assaltos a bancos.

Outros atribuem a criminalidade crescente à interferência política no trabalho policial. “Se fosse concedido ao chefe de polícia um período de três anos com autoridade absoluta para dirigir sua equipe, naturalmente que, com as devidas garantias, veríamos a diferença”, afirmou Khan. Frustrado com a interferência política, ele próprio permaneceu no cargo apenas um ano, de 2011 a 2012, e pontuou que o governo no poder, seja qual for, sempre nomeia uma pessoa de confiança no cargo para driblar certas normas legais.

Devido à escassez de policiais, Yusuf acredita que a terceirização de determinadas tarefas das agências privadas vai melhorar a segurança pública. “A polícia terá uma carga menor se as empresas privadas cuidarem do patrulhamento, da proteção de locais estratégicos, e do acompanhamento dos ‘vip’”, propôs. Essa opção seria mais econômica do que contratar mais pessoal e também daria emprego e formação aos jovens de Karachi desempregados, acrescentou.

Entretanto, atualmente o guarda de segurança privada comum equivale “a pouco mais que um vigilante uniformizado. Está mal treinado, mal supervisionado e mal remunerado”, denunciou Yusuf. Os guardas recebem pagamento que varia de US$ 110, o salário mínimo mensal para um trabalhador qualificado, a US$ 450, para os que portam armas. Dois terços dessa remuneração ficam para a agência.

“Quase não recebem nenhum tipo de formação e suas armas, se têm licença para usá-las, são obsoletas. Alguns também funcionam como mensageiros: levam pastas de um escritório a outro ou levam comida para o pessoal administrativo”, acrescentou Yusuf.

A APSAA dirige dois centros de formação, um em Karachi e outro na cidade de Lahore, que oferecem aos recrutas instrução de três dias a cargo de militares da reserva que lhes ensinam defesa e montagem de armas. Porém, especialistas como Sarwar acreditam que a capacitação será insuficiente se os guardas não estiverem equipados com as armas necessárias para lidar com a militarização que tomou conta das ruas de Karachi.

Sarwar explicou à IPS que “as agências não estão autorizadas a dar armas automáticas aos seus guardas. Só podem disparar em defesa própria. Hoje em dia, até os ladrões utilizam fuzis Kalashnikov e o pessoa da segurança privada não pode competir com essas armas sofisticadas”, concluiu. Envolverde/IPS