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Kissinger propôs ataque dos Estados Unidos a Cuba, revela livro

 

libroNova York, Estados Unidos, 6/10/2014 – O ex-secretário de Estado  norte-americano Henry Kissinger era partidário de atacar Cuba em 1976, segundo novo livro que revela que os dois países recorreram a intermediários secretos para manterem contatos clandestinos durante as décadas posteriores à revolução cubana de 1959.

Kissinger, que dirigiu a diplomacia de seu país entre 1973 e 1977, ordenou planos de contingência para “dar uma surra” em Cuba em 1976, por causa da intervenção militar de Havana em Angola, em defesa do governo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), segundo o livro Back Channel To Cuba (Via Clandestina para Cuba), dos autores Peter Kornbluh e William LeoGrande.

Entre outras coisas, o livro revela que o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter (1977-1981) atuou em 1994 como intermediário secreto durante a crise de imigração dos balseiros cubanos para os Estados Unidos, no governo de Bill Clinton (1993-2001).

Kornbluh, da organização independente Archivo Nacional de Segurança, e LeoGrande, da Universidade Americana de Washington, apresentaram o livro no dia 1º deste mês, no hotel Pierre, em Nova York. A escolha desse hotel “teve uma razão histórica”, explicou Kornbluh. “É o lugar onde aconteceram as primeiras conversações secretas para normalizar as relações com Cuba, durante reunião de três horas realizada aqui há quase 40 anos”, afirmou.

O livro apresenta inúmeros exemplos das idas e vindas dos intermediários secretos entre os dois países, inclusive em momentos de intensa hostilidade. Apesar da abertura do governo de Richard Nixon (1969-1974) em relação à China em 1972, e do fim da Guerra Fria com a dissolução da União Soviética em 1991, as relações entre Washington e Havana, que sofre um embargo comercial por parte dos Estados Unidos desde 1960, se mantiveram antagônicas.

A maioria dos cubanos que fugiram para os Estados Unidos após a revolução de 1959 se opôs sistematicamente às sucessivas tentativas de diálogo entre os dois países, que de alguma forma legitimaram, em sua opinião, o governo comunista de Fidel Castro.

Carter funcionou como intermediário entre Washington e Havana durante a crise dos balseiros em 1994, quando milhares de cubanos se lançaram ao mar em embarcações precárias para alcançar a costa do Estado da Flórida. O governo dos Estados Unidos viu aquilo como uma repetição com intenções políticas do êxodo do Porto de Mariel em 1980, que influenciou a derrota de Carter em sua tentativa de reeleição.

Em carta enviada a Castro, Carter menciona sua “esperança de encontrar um terreno comum para resolver a crise, e para preparar uma futura resolução de diferenças no longo prazo”. Com seu apoio, os governos de Clinton e Castro acordaram uma política de “pés molhados, pés secos”, pela qual os cubanos que fugiam para os Estados Unidos obteriam a residência se tocassem em terra. Por meio da missão cubana na Organização das Nações Unidas (ONU), Carter negociou o número de imigrantes que poderiam permanecer legalmente em território norte-americano.

Como presidente, o próprio Carter tentou normalizar as relações com Cuba. Durante seu governo os dois países abriram sessões de interesse em suas respectivas capitais. Mas as tensões da Guerra Fria na segunda metade de seu mandato, além do crescente peso político dos cubanos-norte-americanos contrários a toda melhoria nas relações, reduziram consideravelmente sua margem de manobra.

Antes de Carter, Kissinger tentou se aproximar de Havana com o envio dos representantes Frank Mankiewicz e Lawrence Eagleburger a uma reunião no aeroporto nova-iorquino de La Guardia, em janeiro de 1975, para “explorar as possibilidades de uma relação mais normal entre os dois países e determinar se existe uma determinação igual nos dois lados para resolver as diferenças que existem entre nós”.

Isso permitiu a reunião no hotel Pierre seis meses depois, com as presenças de Eagleburger e do secretário-adjunto para Assuntos Interamericanos, William D. Rogers.  Mas as gestões se frustraram depois da intervenção de Cuba em Angola, quando várias facções com apoio estrangeiro disputavam o poder após a independência de Portugal, em novembro de 1975.

O livro afirma que Kissinger se enfureceu com a intervenção cubana, que foi decisiva para a vitória do MPLA frente a grupos rivais que tinham apoio de África do Sul, Zaire, Estados Unidos e China, além de mercenários sul-africanos.

Durante uma conversa na Casa Branca com o ex-presidente Gerald Ford (1974-1977) Kissinger afirmou que a intervenção de Havana gerou a possibilidade de uma “guerra racial”, acrescentando: “creio que precisaremos sufocar Castro. Provavelmente não poderemos fazê-lo antes das eleições”, presidenciais de novembro de 1976 nos Estados Unidos.

A preocupação de Kissinger e Ford era que Cuba repetisse a ação militar “ao estilo angolano” em outros países da África, numa época de intensa rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética no continente, em uma versão africana da “teoria do dominó” que Washington utilizou para justificar sua desastrosa intervenção na Indochina, a partir do final da década de 1950.

“Se entrarem na Namíbia ou na Rodésia estarei a favor de lhes dar uma surra”, disse Kissinger em relação às forças cubanas, segundo as transcrições publicada no livro. “Isso criaria furor, mas creio que teríamos que exigir que saiam da África”, continuou.

Após a vitória em Angola, Kissinger acreditava que Cuba poderia desempenhar um papel semelhante na África do Sudoeste (atual Namíbia), Rodésia (Zimbábue) e, em última instância, a própria África do Sul. “Penso que seria mais fácil pressionar Cuba, como o sócio mais próximo e mais fraco em uma relação entrelaçada, do que a União Soviética”, que apoiava tanto Havana quanto o MPLA.

As discrepâncias entre as relações públicas e privadas de Cuba e Estados Unidos sempre se caracterizaram por suas relações bilaterais, assegurou LeoGrande à IPS.

No final da administração de John F. Kennedy (1961-1963) “houve iniciativas secretas para embalar um diálogo com Cuba e a esperança de que, por trás da crise dos mísseis, de outubro de 1961, os cubanos estavam tão aborrecidos com os soviéticos, pela promessa de que nunca instalariam armas nucleares na ilha, que seriam atraídos de novo para a órbita dos Estados Unidos”, afirmou LeoGrande.

“A iniciativa de retomar as relações se apresentou por meio do representante de Cuba na ONU”, segundo LeoGrande. “Ao mesmo tempo, houve alguns dos discursos do presidente Kennedy sobre Cuba ao estilo mais duro da Guerra Fria. Só o presidente e um punhado de pessoas sabiam sobre a iniciativa secreta, por isso esta não se reflete no diálogo público”, acrescentou. Envolverde/IPS

* Jim Lobe contribuiu com este artigo a partir de Washington.