Ladaj, Índia, 3/10/2013 – O Ladaj de hoje é totalmente diferente daquele que Skarma Namgiyal tem na memória. Em sua infância havia a impactante beleza de sua paisagem, a pureza do ar frio da montanha e o doce de suas águas. Hoje, aos 47 anos, este morador da aldeia de Tukcha no distrito de Leh, norte da Caxemira, não pode crer que seja preciso cavar poços para obter água. E, menos ainda, para encher as caixas d’água de seus banheiros em lugar de usar as latrinas secas com as quais estava acostumado, além de precisar enfrentar os resíduos líquidos que fluem direto até suas casas.
A mudança climática, o auge do turismo e as práticas modernas estão semeando o caos neste deserto frio e elevado, localizado no Estado indiano de Jammu e Caxemira. A altitude média em Ladaj é de 3,4 quilômetros, e as temperaturas oscilam entre 35 graus negativos no inverno e 35 graus no verão. As chuvas anuais na região estão em torno de cem milímetros.
Antes, a água derivada do derretimento de geleiras bastava para atender as necessidades da população local, contou Namgiyal à IPS. Contudo, por cair menos neve e com verões mais quentes, algumas das geleiras desapareceram, enquanto outras devem ter a mesma sorte. “Veja Jardongla. Era uma geleira enorme. Agora não existe mais”, pontuou Tsering Kushu, vizinho de Namgiyal.
O escritório indiano da Geres, uma organização ambientalista com sede central na França, fez em 2009 um levantamento em Ladaj, com base em uma análise de dados meteorológicos obtidos entre 1973 e 2008 e em entrevistas com moradores mais velhos. Seus resultados indicaram uma redução das geleiras em todo Ladaj, principalmente Jardongla e Stok Kangri, a primeira ao norte de Leh e a segunda no sudeste.
“Um exame de tendências indicou claramente aumento de quase um grau para todos os meses de inverno”, segundo o estudo. “As nevadas e as chuvas também apresentaram uma tendência decrescente no período estudado”, detalhou à IPS Tundup Angmo, sob cuja direção foi feito o levantamento. Kushu tem outra maneira para medir até que ponto os verões são mais quentes. “Agora pode-se ver pessoas usando ar-condicionado e ventilador de teto em suas casas”, observou.
Ladaj tem 280 mil habitantes, segundo o censo de 2011. Além disso, a chegada de visitantes aumentou amplamente. Quando, em 1974, o governo indiano abriu a região ao turismo, a quantidade era ínfima. Segundo o Departamento de Turismo do Estado, no final de agosto, Leh havia recebido 100.179 visitantes. “A quantidade de chegadas está menor este ano devido ao encarecimento da passagem aérea”, explicou à IPS Mehboob Ali, diretor-adjunto de Turismo na região de Ladaj.
Para atender a demanda de visitantes, Leh tem 511 hotéis e pousadas. “Cresce muito rapidamente”, disse Lobzang Sultim, diretor-executivo da organização não governamental Grupo de Desenvolvimento Ecológico de Ladaj (LEDeG). Essa organização realiza o estudo Projeto Urbano de Saúde Hídrica, iniciado em outubro de 2012 e que terminará em março próximo. Segundo suas conclusões iniciais, 375 hotéis da localidade extraem 852 mil litros de água por dia.
Sultim também informou que quase 60% das 20 mil famílias de Leh usam poços para obter água. “Não temos opção que não seja retirar água dos poços, já que o fornecimento hídrico encanado está disponível apenas por uma hora pela manhã”, contou à IPS Manav Thakur, gerente-geral do hotel Lingzi. Tudo isso está pressionando os já escassos recursos hídricos de Ladaj, e, por não ter meios para recuperá-los, a camada freática diminui rapidamente.
“Já estamos conscientes de que as precipitações em Leh são bem nominais”, disse Sultim. “E com o menor derretimento das geleiras, a descarga de correntes também diminui, o que dificulta muito o reabastecimento do lençol freático”, acrescentou. O LEDeG trabalha para encontrar maneiras de conservar a água e regenerar os recursos subterrâneos. “Temos um projeto para desviar parte da água superficial e permitir que viaje lentamente, para garantir que chegue à camada freática”, explicou Sultim.
Outra tendência negativa que pressiona os recursos hídricos de Ladaj é a substituição dos tradicionais vasos sanitários secos por outros com caixa d’água. Agora, todos os hotéis e pousadas de Leh têm estes últimos, embora uns poucos ainda possuam dos secos. Algumas casas também instalaram os mais modernos.
Dechen Chosto, dona de casa em Leh, não é uma delas. Sua família está feliz usando um vaso sanitário seco. “Não precisam de água, não cheiram mal e a compostagem (adubo orgânico) pode ser usada em nossas terras agrícolas”, disse à IPS. As latrinas secas, de fato, se adaptam de modo ideal ao clima frio de Ladaj, ressaltou Sultim. “São fáceis de usar no inverno daqui, quando tudo congela, menos o sangue no corpo”, pontuou.
“Não podemos nos dar o luxo de ter latrinas com caixa d’água”, opinou Tashi Tundup, do Departamento de Engenharia de Saúde Pública em Leh. “Embora seja totalmente a favor da mudança e queira que a população se beneficie de instalações modernas, sou firme defensor de continuar com as latrinas secas em Leh”, declarou à IPS. Até agora Leh não sentiu a necessidade de um sistema de saneamento. No entanto, com a crescente quantidade de hotéis e pousadas, o esgoto e outros dejetos desses estabelecimentos fluem direto para os quintais das casas, e inclusive a corrente de Leh, que atravessa o povoado.
“Não causam apenas problemas para as pessoas que vivem nas partes baixas, mas também contaminam nossa água. Estávamos melhor com nossas latrinas secas”, disse Rigzin Dorge, morador de Sheynam, aldeia da região. O LEDeG pede que a população se volte com urgência para métodos amigáveis com o meio ambiente. “Em nossas interações com estrangeiros, descobrimos que alguns deles realmente haviam usado vaso sanitário seco. Isto nos fez ver que nossos hóspedes respeitarão nossas tradições se nós as mantivermos”, contou Sultim. A organização agora pretende espalhar cartazes e folhetos para conscientizar sobre a importância de continuar com as práticas tradicionais. Envolverde/IPS