Mostrando ao mundo porque os mais de 40 mil Guarani Kaiowá sobreviveram aos mais de quinhentos anos de opressão e invasão.
Movimento Povo Guarani Grande Povo
Patrícios, eu não queria desanimar vocês. Aqui voltaremos um dia, e será com apoio da justiça…” (Anastácio Peralta, 11 de setembro de 2009)
Um ano, oito meses e quadro dias de sofrimento à beira da BR 163. Esse foi o tempo que o grupo de 134 Kaiowa Guarani permaneceu entre a cerca e o asfalto, numa faixa de aproximadamente 30 metros de largura, próximo ao Rio Brilhante, Município de mesmo nome. Foi tempo de angústia e medo de atropelamentos ou ataques. Tempo em que sofreram constantes ameaças e pressões dos fazendeiros e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT. Estiveram expostos a todo tipo de intempéries, das pragas dos mosquistos e sanguessugas às alagações e sol estorricante, sob as lonas pretas. Do frio intenso aos alagações constantes. Tudo suportaram pacientemente, com a certeza de que um dia voltariam à terra que lhes pertence e da qual foram expulsos.
Da expulsão à volta – um longo caminho
Dia 11 de setembro para os Kaiowá Guarani nada tem a ver com as torres gêmeas ou Bin Laden. Para a comunidade de Laranjeira Nhanderu passou à memória coletiva como um dia em que foram vítimas de uma brutal agressão, expulsão da terra sagrada para a qual tinham voltado há mais de um ano. Naquele dia , indignados, juntaram seus poucos pertences e a pé ou de bicicleta, foram levando o que puderam até a beira da estrada. Na mesma noite, os fazendeiros se apressaram em queimar os barracos. Mas da cinza renasce a esperança e novos barracos. Ali ergueram seus barracos e permaneceram até ontem, dia 15 de maio, entre a cerca e o asfalto (veja ao lado o vídeo do despejo).
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=V3Jd7ucilCA[/youtube]
Foi o tempo de longa perigrinação, de esperança, celebrações, criatividade, visitas e lutas. Dezenas de comissões de direitos humanos, nacionais e internacionais, visitaram o grupo. Bispos, acadêmicos, instituições de caridade e científicas, representantes de igrejas, sindicatos, aliados os mais diversos, levaram a eles sua solidariedade e apoio. Inúmeras promessas de resolver o problema. Incontáveis reuniões e documentos.
Foram mais de quinhentos dias sob o barulho intenso e ameaças de atropelamentos. Dois jovens morreram atropelados e dezenas de pequenos animais foram esmagados pelas rodas dos caminhões e carros em alta velocidade. Só um povo sábio e resistente é capaz de aguentar semelhante situação.
A visibilidade incômoda
O acampamento Laranjeira Nhanderu passou a ser a porta de entrada para a realidade Kaiowá Guarani. Representava uma ameaça e incômodo para os fazendeiros da região e, ao mesmo tempo, eram uma permanente denúncia sobre a forma de tratamento que o governo estava dando à questão Kaiowá Guarani, especialmente à questão da terra. Imaginem que até o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes se sentia incomodado com aquela situação e tentou remover o grupo, promovendo encontros, fazendo ameaças de despejo. Mas despejar para onde, para o meio do asfalto, se perguntavam os Kaiowá Guarani.
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=b2x-zRmuGX8[/youtube]A comunidade de Laranjeira Nhanderu está mostrando ao mundo porque os mais de 40 mil Kaiowá Guarani sobreviveram aos mais de quinhentos anos de opressão e invasão. Apesar de toda essa violência, foram capazes de mostrar que viver e lutar vale a pena, quando se acredita no futuro e se tem raízes e vivências espirituais. Há poucos dias, fizeram uma espécie de celebração e festa de despedida da beira da estrada. Foi o desfile da dignidade e alegria de um povo que sabe superar as adversidades com orgulho e criatividade (veja ao lado o vídeo do desfile).
Assim como deixaram seus barracos à luz do dia e sob sol forte, retornaram à sua terra com dignidade, contando com a solidariedade das comunidades Kaiowá Guarani e dos amigos e aliados no Brasil e no mundo.
* Egon Heck é coordenador do Conselho Indigenista Missionário no Mato Grosso do Sul.
** Publicado originalmente no site Brasil de Fato.