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Lavagem de dinheiro muda ao som das novas barreiras

Participantes da VIII Conferência Internacional Contra a Lavagem de Dinheiro, durante uma exposição. Foto: Estrella Gutiérrez /IPS

 

Caracas, Venezuela, 6/8/2012 – Pokemon, por sua capacidade de mutação, cavalo de modernos cavaleiros do Apocalipse (drogas, corrupção, crime organizado, terrorismo) ou fenômeno de desordem social. Estas são definições dos especialistas reunidos na capital venezuelana para a lavagem de dinheiro, um crime de infinitos disfarces. “O Estado é burocrático, lento e pesado, e este crime é tecnológico, moderno e inovador”, afirmou à IPS o advogado venezuelano Alejandro Rebolledo, organizador da VII Conferência Internacional Contra a Lavagem de Dinheiro, Riscos e Fraudes, realizada no começo deste mês em Caracas.

“O grande desafio deste crime é ser eminentemente transnacional”, afirmou o argentino Raúl Saccani, responsável pelos serviços contra esse crime e pela investigação de fraudes na América Latina na firma mundial de auditoria KPMG, outro especialista ouvido pela IPS durante a reunião. “A cada ano são lavados US$ 1,6 trilhão, equivalentes a 2,7% do produto interno bruto mundial”, destacou Rebolledo, diretor do site antilavadodedinero.com.

Associações financeiras elevam esse valor a 3,6% do PIB global, enquanto os órgãos multilaterais preferem falar de um arco entre 1,5% e 5%, pela ocultação do crime de legitimação de capital de origem ilícita. O Fundo Monetário Internacional o equipara a 40% da economia total latino-americana. Mediante a lavagem de dinheiro são colocados nos sistemas financeiro e comercial fundos de origem criminosa para que simulem proceder de atividades legítimas e possam circular e serem usados sem que a justiça os detecte.

As categorias do que se considera lavagem de capitais evoluem constantemente. Em fevereiro, o intergovernamental Grupo de Ação Financeira Internacional sobre Lavagem de Ativos (Gafi) inclui neste item a evasão fiscal, o contrabando e o uso de armas de destruição em massa. A mexicana Fanny Galindez pontuou que “a lavagem de capitais é um fenômeno que dá transparência a uma grande quantidade de crimes, que poderiam ser chamados de produto criminal bruto”, e criticou que as regulações ainda se concentrem no setor financeiro, sem tratar com o mesmo rigor outras “atividades vulneráveis”.

São áreas tão díspares como joalheria, blindagem e compra e venda de veículos, negócios de empréstimos, arte, imóveis, tecnologia, comunicação ou entretenimento, entre outras dezenas. “Não é equitativo e gera fugas para que as células de criminalidade lavem. Todos devem ser igualmente regulados”, afirmou Galindez, diretora da consultoria mexicana Transactions. Talvez a complexidade do fenômeno explique as múltiplas denominações do crime de dar aparência legal ao dinheiro e aos ativos de origem ilegal: lavagem, branqueamento ou legitimação de fundos são as mais usadas, e nas jurisdições penais são usados termos como “crime de uso de recursos de procedência ilícita”.

Algo parecido acontece com as definições. O diplomata venezuelano Julio Cesar Pineda disse que a lavagem se chama Pokemon, por ser como os bonecos desse videogame japonês, que mudam constantemente para não serem apanhados. Acrescentou que funcionários da Organização das Nações Unidas (ONU) e de outras entidades multilaterais consideram a lavagem de dinheiro como o cavalo que transporta os quatro modernos cavaleiros do Apocalipse criminal: drogas, crime organizado, terrorismo e corrupção.

Galindez lançou outra luz, ao qualificar o crime como “um fenômeno de desordem social, sociocultural e socioeconômico”, atrás do qual há “sociedades alquebradas, setores da população que são deixados sem opinião, sem educação e sem recursos”. Desde 1989, quando o então Grupo dos Sete países mais ricos, agora transformado em Grupo dos Oito mais poderosos, criou o Gafi, a comunidade internacional tem regras concertadas de regulação e ação para um crime sem fronteiras.

O Gafi apresentou 40 recomendações de cumprimento obrigatório, que são revisadas periodicamente. Seus membros diretos são 35, mas somam mais de uma centena com grupos regionais associados, como o Gafisud (dos países sul-americanos mais o México) ou o Grupo de Ação Internacional Contra a Lavagem do Oeste da África. Rebolledo afirmou que, no caso americano, “os governantes propuseram este ano a criação de um Tribunal Penal Regional destinado a combater o crime organizado”. Em particular, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, propôs criar uma base de dados regional “para acompanhar o fluxo de dinheiro de supostos investidores”.

Para Rebolledo, a maior barreira para o combate ao crime é a corrupção, porque impede a investigação, a perseguição e as condenações. “Quando há instituições fracas a criminalidade encontra facilmente as fendas vulneráveis para penetrar”, opinou. O especialista citou o escritor italiano Francesco Forgione, autor de Mafia Export, que garante que “pode existir política sem máfia, mas não máfia sem política”.

Saccani, que ajudou a justiça argentina a investigar crimes econômicos antes de trabalhar para a KPMG, entende que houve “um notável esforço” das políticas internacionais e das legislações para combater os crimes geradores de dinheiro ilegal. No entanto, “o espectro de crimes precedentes cresceu exponencialmente”, e vão mudando. Outro problema fundamental é seu caráter transnacional.

“A lavagem faz um shopping de jurisdições, para ver por onde é mais conveniente passar o dinheiro ilegal, porque, por quantas mais passar, mais difícil será para a justiça seguir a rota e a cadeia de evidências para conectar os fundos com o crime de origem”, ressaltou Saccani. Além disso, segundo ele, as leis não bastam. “É preciso fazer com que a justiça atue” contra um tipo de crime de “muitos atores e grande complexidade probatória”. Para isso é preciso que os juízes “se atualizem e se capacitem” para enfrentar “criminosos que têm todos os recursos e estão muito bem assessorados”, enfatizou.

Bismark Rodríguez, representante do Panamá, onde é sócio para serviços de risco da auditoria Deloitte, citou a complexidade de combater “um crime alavancado com enormes recursos e grande sofisticação tecnológica”. E acrescentou que “não é um papel ou uma empresa: é uma estrutura, uma tipologia, um esquema eletrônico, e é muito difícil enquadrá-lo dentro dos crimes tipificados”. A seu ver, há grandes avanços quanto a normas e seu acatamento pelo setor financeiro, com unidades de cumprimento cada vez mais capacitadas, “mas é preciso melhorar muito quanto ao seu enquadramento, processo e sentença de casos particularmente suspeitos”. Envolverde/IPS