Trípoli, Líbia, 17/8/2012 – Carros-bomba, assassinatos de altos funcionários políticos e militares, ataques contra diplomatas estrangeiros e organizações não governamentais, e jovens resolvendo disputas menores armados com rifles AK-47 fazem parte do violento dia a dia na Líbia. Fontes do governo asseguram que os responsáveis por esses fatos são pessoas leais ao ex-líder Muammar Gadafi (que governou o país entre 1969 e 2011), ou islâmicos que buscam vingança. Por sua vez, militantes armados leais a Gadafi disseram à IPS em diferentes entrevistas que intensificariam sua luta.
Esta situação se vê exacerbada por severas restrições à divulgação de informação nos meios de comunicação locais, e porque as forças de segurança impedem que jornalistas estrangeiros realizem seu trabalho nos lugares onde houve ataques, o que inclui fotografar. Pelo segundo sábado consecutivo, no dia 11 deste mês esta jornalista foi despertada por um carro-bomba que explodiu do lado de fora de seu hotel, no centro de Trípoli. O alvo foi um veículo de segurança pertencente a membros das forças armadas líbias que se hospedavam no hotel Four Seasons, na rua Omar Al Mukhtar. No sábado anterior, outro carro-bomba explodiu diante da sede da polícia militar de Trípoli, causando um ferido.
“Acreditamos que ex-partidários de Gadafi estão por trás deste ataque e do de sábado passado”, disse um membro das forças de segurança sentado em um dos vários carros de segurança que logo chegaram ao lugar para cercar a área. “Os tahloobs (leais a Gadafi, em árabe) são grandiloquentes, dizem que farão uma contrarrevolução contra o movimento 17 de fevereiro (quando começou a revolução que derrubou Gadafi). Eles só poderão realizar pequenos atos de sabotagem, nada importante”, declarou à IPS um dos efetivos da segurança.
Pouco depois de começar o bloqueio informativo, soldados fortemente armados impediram que fossem feitas fotografias e disseram que os jornalistas estavam proibidos de entrar na área. Um funcionário do Ministério do Interior negou-se a dar mais declarações. Na segunda semana deste mês, foram assassinados vários tahloobs, quando as forças de segurança fizeram uma blitz em uma fazenda onde se escondiam, depois de afirmarem que haviam coordenado o atentado com carro-bomba diante da sede da polícia militar de Trípoli.
Presume-se que um dos membros que sobreviveu criou células dormentes na Líbia e cruzou a fronteira com a Tunísia, no ocidente do país, de onde ele e outros camaradas contrabandearam armas para território líbio a fim de “desestabilizar o país pós-Gadafi”. A inteligência líbia também afirma que o grupo estava de posse de outras sete bombas e que previa explodir uma delas em outro hotel de Trípoli. Também disseram que o sobrevivente trazia consigo documentos que vinculavam o grupo a um dos filhos de Gadafi, Saadi, que cumpre prisão domiciliar em Níger. No começo deste ano, Saadi advertiu que estava em contato com células dormentes que organizavam a resistência clandestina.
A IPS conseguiu uma entrevista exclusiva com leais a Gadafi no bairro de Abu Salim, na capital, um de seus últimos redutos e palco dos enfrentamentos mais ferozes entre leais e rebeldes durante a revolução. Pouco depois de matarem Gadafi, em 20 de outubro do ano passado, o bairro foi inundado por armas, em um esforço de último minuto para resistir contra a revolução. “Estamos esperando o momento adequado. Não nos renderemos. Se o novo governo pensa que somos uma força desgastada, estão errados”, disse à IPS o tahloob Ahmed, que no ano passado lutou com as forças de Gadafi e conseguiu fugir de um acampamento de detenção de rebeldes.
Ahmed contou ter matado vários rebeldes, e agora está na clandestinidade. Ele e outros entrevistados pediram para não serem fotografados nem terem seus sobrenomes publicados, por questão de segurança. “Cada homem desta área está armado, mas nossas armas estão enterradas porque a zona é alvo de blitze das forças de segurança”, contou à IPS outro leal a Gadafi, Muntasser.
Nas últimas três semanas, foram assassinados cerca de 20 militares de alta patente ou funcionários do governo em Bengasi. Muitos dos homens eram ex-leais a Gadafi que desertaram de seus postos no regime para ficar do lado dos rebeldes. Alguns afirmaram que por trás dos ataques estão os insurgentes islâmicos, já que armas líbias abastecem os conflitos na península do Sinai e em países como Mali, Nigéria e Síria, onde dezenas de combatentes se uniram ao Exército Sírio Livre.
Em outro incidente, no dia 10, oito prisioneiros fugiram da prisão de Al Fornaj, em Trípoli, depois de um ataque coordenado. Do lado de fora, homens dispararam de suas caminhonetes contra os guardas de segurança, enquanto os presos incendiavam partes do prédio e dominavam vários guardas. Foi o terceiro ataque contra a prisão desde a vitória da revolução, e as autoridades demoraram muitas horas para recuperar o controle.
Nas últimas semanas, sedes de segurança e hotéis em Bengasi foram sacudidos por ataques com explosivos e por tentativas de atentados. Pessoal diplomático estrangeiro e de embaixadas também foram alvo de ataques ou tentativas frustradas. Na segunda semana do mês, pessoal da embaixada dos Estados Unidos em Trípoli escapou de uma tentativa de sequestro quando se deslocava em um automóvel. Nessa mesma semana, um ataque com granada e foguete contra escritórios da Cruz Vermelha Internacional, na cidade de Misurata, obrigaram a evacuar vários edifícios dessa organização, que precisou suspender temporariamente suas atividades.
Prosseguem os sequestros e raptos, e ainda se desconhece o paradeiro de uma delegação da Meia Lua Vermelha iraniana cujos membros foram sequestrados há várias semanas em Bengasi. Além disso, disputas de rua menores se convertem, com regularidade, em lutas armadas. No dia 9, um homem munido de um rifle AK-47 ameaçou disparar contra a cabeça desta jornalista depois de presenciar um enfrentamento armado que fugira do controle. Envolverde/IPS