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Legisladores da Índia despertam para a mudança climática

Agricultor indiano aponta para suas modestas terras, que já não produzem para alimentar sua família. Foto: Sujoy Dhar/IPS
Agricultor indiano aponta para suas modestas terras, que já não produzem para alimentar sua família. Foto: Sujoy Dhar/IPS

 

Nova Délhi, Índia, 9/6/2014 – Ramanjareyuhu, agricultor de 55 anos do Estado de Andhra Pradesh, sul da Índia, luta para se recuperar desde a escassez de chuvas que desferiu duro golpe à sua colheita de amendoim e guandu, uma leguminosa que cresce principalmente no leste do país. Antes, a pequena área de plantio bastava para manter sua família de cinco pessoas, mas agora ele está na pobreza extrema e considera a possibilidade de aderir ao êxodo de camponeses que partem para grandes cidades, como Bangalore, Chennai e Hyderabad, com a esperança de encontrar trabalho como operário não especializado. “Não sei porque a natureza é tão cruel com a gente”, lamentou à IPS.

A resposta a essa pergunta está na mudança climática, assegura Y. V. Reddy Malla, diretor do centro ecológico Ação Fraterna, com sede em Bangalore, que trabalha com os agricultores da região. “Os produtores estão em graves apuros”, explicou à IPS. “De aproximadamente 700 mil agricultores em Anantapur”, maior distrito de Andhra Pradesh, “500 mil passam por esta situação devido à drástica redução no número de dias com chuva por ano”, acrescentou.

Em toda a Índia, sinais semelhantes de advertência indicam que o país vai por um caminho perigoso. Os extremos do clima entregaram a conta à Índia, com o desaparecimento paulatino de Sundarbans, a maior floresta de mangue do mundo, na baía de Bengala, grandes extensões de terras agrícolas ressecadas no sul, oeste e norte do país, e a difícil situação dos habitantes do Estado himalaio de Uttarakhand, golpeado pelos desastres naturais.

As emissões de carbono aumentaram 7,7% em 2012, e as de CO2 procedentes das centrais de carvão dispararam para 10,2% este ano. O país parece estar contribuindo com seu próprio desaparecimento. Mas o “pior está por vir’, alerta um informe do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática, que concluiu que a produção de trigo na fértil planície indo-gangética (território que a Índia compartilha com Bangladesh, Nepal e Paquistão) corre o risco de sofrer importante redução.

Atualmente, a região produz 90 milhões de toneladas do grão ao ano, o que representa quase 15% da produção mundial de trigo, mas as projeções indicam uma queda de aproximadamente 51% nas áreas de maior produção devido ao aumento da temperatura. Esse cenário poderia ser desastroso para os cerca de 200 milhões de habitantes das planícies, cuja ingestão de alimentos depende dessas colheitas, segundo os especialistas.

A Índia integra a lista de 27 países “mais vulneráveis” à elevação do nível do mar provocada pelo aquecimento global. Segundo o órgão estatal Estudo Geológico da Índia, o aumento de um metro no nível do mar inundaria cerca de mil quilômetros quadrados do delta de Sundarbans, um parque nacional. Quase metade das 102 ilhas que compreendem a reserva de biosfera protegida pela Organização das Nações Unidas (ONU) ficou inabitável devido à elevação dos mares e à erosão costeira produzida nas últimas quatro décadas.

Cerca de um quinto da parte austral do delta, onde fica o centro de uma grande reserva de tigres, já está submerso. No ritmo atual da erosão, os cientistas preveem uma perda de 15% de terras agrícolas e de 250 quilômetros quadrados do parque nacional. O aumento da salinidade da terra devastou a produção agrícola e converteu milhares de pessoas em refugiados do clima. Outro sinal de alerta para a Índia foi a tragédia no Estado de Uttarakhand em 2013, quando aguaceiros e o degelo das geleiras geraram inundações que arrasaram milhares de peregrinos e turistas, no que cientistas chamaram de “tsunami do Himalaia”.

Nesse contexto, legisladores indianos estavam entre os mais de 500 delegados reunidos na Cidade do México para a segunda Cúpula da Organização Global de Legisladores para o Equilíbrio Ambiental (Globe International), entre os dias 6 e 8 deste mês, para redigir um acordo climático centrado na legislação nacional.

Segundo Pranav Chandan Sinha, diretor da Globe Índia, as pessoas desse país estão despertando para a realidade da mudança climática, o que pressiona o governo para buscar o equilíbrio entre desenvolvimento e proteção ambiental. Sinha apontou à IPS que é provável que o novo governo – liderado pelo primeiro-ministro Narendra Modi, do nacionalista Partido Bharatiya Janata (BJP), que tem maioria absoluta no parlamento – persiga objetivos de desenvolvimento sustentável, em consonância com a ênfase da Globe International à importância da riqueza, da valorização dos serviços dos ecossistemas e das reformas legislativas.

Desde o desastre de Uttarakhand, por exemplo, a Globe Índia conversou com legisladores de vários Estados, especialmente do norte do país, sobre a necessidade de aprovar reformas legislativas e combinar esforços para combater a mudança climática.

O prognóstico de fóruns como a cúpula do México “não é só educar mas desmitificar as negociações internacionais sobre meio ambiente, sustentabilidade e mudança climática e comunicá-las em nível nacional e estatal”, pontuou à IPS Jayanat Chaudhary, ex-legislador e fundador da Globe Índia.

Estas reuniões não pretendem conseguir ações vinculantes mas servem para informar aos legisladores, que podem pressionar seus respectivos governos a adotarem uma posição mais sólida em temas como as metas em matéria de emissões contaminantes, ressaltou Chandra Bhusan, subdiretor-geral do Centro para a Ciência e o Meio Ambiente, a organização ecológica mais influente da Índia, com sede em Nova Délhi.

Bhusan afirmou que a Índia tem que se ajustar a vários desafios diante da mudança climática, em particular devido à centralização do poder que serve de obstáculo à ação em nível local. “Um desafio é a adaptação em si”, afirmou à IPS.

“Como nos adaptamos a desastres como as inundações súbitas de Uttarakhand, à seca e às chuvas fora de estação, aos numerosos ciclones, todos eles ocorridos em 2013 e este ano? Este foi um período de clima extremo e temos que nos adaptar à variabilidade”, detalhou Bhusan. “Também existe o desafio energético. Cerca de 800 milhões de indianos ainda cozinham com esterco de vaca e estufas de lenha. Precisamos de energia limpa para todos e não podemos dizer que nada vamos fazer”, enfatizou.

Apesar de tudo, a previsão não é totalmente sombria, já que vários governos locais deram alguns passos positivos para a prestação de contas e a sustentabilidade. Uttarakhand, por exemplo, se converteu no primeiro Estado a medir seu produto ambiental bruto. Trata-se de um indicador da saúde dos recursos naturais do Estado, que será publicado anualmente junto com os dados de seu produto interno bruto. Envolverde/IPS