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Leis climáticas enfrentam a “abenomia” no Japão

Restauração das áreas intermarés na baía de Mikawa da prefeitura de Aichi, no centro do Japão. Foto: Cortesia do Instituto de Pesquisa Pesqueira de Aichi (Afri)
Restauração das áreas intermarés na baía de Mikawa da prefeitura de Aichi, no centro do Japão. Foto: Cortesia do Instituto de Pesquisa Pesqueira de Aichi (Afri)

 

Tóquio, Japão, 6/6/2014 – Os defensores de leis que respeitem o ambiente no Japão enfrentam a ideia de que a proteção dos recursos naturais atenta contra o crescimento econômico, uma velha crença que se arraigou ainda mais durante o governo de Shinzo Abe. O primeiro-ministro Abe, do Partido Liberal Democrático, de centro-direita, aplica, desde que assumiu o governo em 2012, uma popular política econômica conhecida como “abenomia”, que promete acelerar o magro crescimento do produto interno bruto (PIB), atualmente de 2%, mediante uma combinação de medidas de estímulo fiscal e reformas estruturais.

A catástrofe da central nuclear de Fukushima Daiichi, em 2011, obrigou o Japão a aumentar as importações de combustível para compensar o déficit na energia nuclear, que antes cobria 30% das necessidades energéticas do país. O país é a terceira economia do mundo, com PIB de US$ 5,93 trilhões, e importa 90% de sua energia, o que lhe causou déficit de US$ 10,5 bilhões.

Essa situação também fez disparar as emissões de dióxido de carbono. Em 2012 o país registrou taxa de emissões de 2,46 toneladas por unidade do PIB, em comparação com 2,3 toneladas em 2010. Agora, o Japão é um dos 12 primeiros geradores de gases-estufa no mundo. Nesse contexto, os ambientalistas observam consternados como o governo de Abe ignorou a promessa do governo anterior de reduzir as emissões de gases contaminantes em 25% abaixo dos níveis de 1990, até 2020.

Ambientalistas e legisladores japoneses lutam para que seja cumprida essa promessa antes da próxima cúpula da Organização Global de Legisladores para o Equilíbrio Ambiental (Globe International), que acontece entre hoje e dia 8, na Cidade do México, para discutir um novo acordo internacional sobre mudança climática centrado na legislação nacional.

Globe Japão – o argumento a favor da contabilidade ambiental

A Globe foi criada em 1989 com o objetivo expresso de adequar as leis nacionais aos problemas ambientais urgentes. Agora vinculada ao protocolo adotado pela Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro em 2012, a Globe prioriza o papel dos legisladores para definir o orçamento destinado aos desastres naturais, que são cada vez mais frequentes devido ao aquecimento do planeta, e evitar a destruição dos ambientes naturais.

Um dos projetos da Globe com repercussões no Japão é a Iniciativa Globe de Capital Natural (GNCI), baseada na ideia de que o uso insustentável dos recursos naturais no longo prazo não aumenta o PIB dos países, pelo contrário, pode empobrecê-los. “Trabalhamos muito para que os parlamentares apoiem leis que façam com que a responsabilidade ambiental seja um dos critérios na formulação de políticas. Não é fácil”, afirmou à IPS Jinichi Ueda, subdiretor da Globe Japão.

A contabilidade ambiental também considera o impacto que a atividade econômica tem nos recursos naturais de um país e calcula todos os custos relacionados com o desenvolvimento, como, por exemplo, a limpeza de um local contaminado, a gestão de resíduos ou as multas e sanções ambientais.

Ueda assessora a diretora da Globe Japão, Yoriko Kawaguchi, ex-ministra das Relações Exteriores e do Ambiente. Atual integrante da câmara alta do parlamento japonês, Kawaguchi organizou sessões de estudo para que os legisladores aprofundassem seus conhecimentos sobre o capital natural do país e, dessa forma, conseguir seu apoio para a GNCI.

“O primeiro passo para incluir a contabilidade ambiental na política é convencer os políticos japoneses com os programas de estudo. Devem se dar conta de que o crescimento econômico só pode ser sustentável mediante o cálculo da contribuição dos recursos naturais”, afirmou Ueda. Um exemplo que pode motivar os políticos é o Instituto de Pesquisa Pesqueira de Aichi (Afri) que, com a direção de Mitsuyasu Waku, realiza um projeto de restauração das areas intermarés na baía de Mikawa, situada na prefeitura de Aichi, centro do país.

As áreas intermarés, mangues costeiros formados por depósitos de lama, são ecossistemas essenciais que abrigam centenas de espécies e previnem a erosão costeira. As da baía de Mikawa são uma das zonas pesqueiras mais ricas do Japão, tanto em espécies marinhas como para a economia local. Essas áreas são um ecossistema em perigo de extinção no Japão.

Na década de 1970 foram despejados 1.200 hectares de terra fértil na parte oriental da baía de Mikawa para a construção de um porto. A medida gerou um importante aumento da “maré vermelha”, ou proliferação de algas. A concentração elevada desses micro-organismos aquáticos pode liberar toxinas naturais que são fatais para espécies marinhas e costeiras, como o peixe-boi.

Waku explicou à IPS que a restauração e preservação da baía de Mikawa – famosa pela abundância de seus amêijoas de pescoço curto (espécie de molusco) que são o meio de vida de milhares de pescadores – fortalece o argumento econômico a favor da proteção do capital natural. Em Aichi são capturadas cerca de 20 mil toneladas desse molusco por ano, o que representa aproximadamente US$ 39 milhões de ganhos para a indústria pesqueira local. “Os benefícios econômicos que implica manter as áreas intermarés, sem incluir sua contribuição natural para a purificação da água, são bastante evidentes”, ressaltou à IPS.

Outro defensor da Globe, Akiri Omori, economista da Universidade de Yokohama, acredita que é essencial destacar os benefícios econômicos da contabilidade ambiental para que esse tipo de lei seja adotada. Em entrevista à IPS explicou que é importante desterrar a ideia de que a proteção dos recursos naturais atenta contra o crescimento econômico, uma velha crença que se arraigou ainda mais durante o reinado da “abenomia”.

“Não é fácil equilibrar os benefícios econômicos e ambientais”, afirmou Omori. “O conflito fundamental” está em as pessoas desejarem resultados no curto prazo e se negarem a ter a paciência necessária para “compreender a riqueza ilimitada que proporcionam os recursos naturais”, acrescentou.

Um excelente exemplo é o movimento de agricultura orgânica da cidade de Toyooka, no oeste do Japão, que incentiva projetos de colaboração entre produtores de alimentos e instituições financeiras locais. Hirotaka Wakamori, da organização Eco Valley, disse à IPS que o número de empresas ecológicas em Toyooka duplicou para 41no último ano, como consequência de uma disposição aprovada pelo município em 2005.

A norma, conhecida como Estratégia Econômica Ambiental, permite que a cidade destine até US$ 300 milhões por ano para apoiar essas empresas mistas. “O projeto começou com o objetivo de proteger o ambiente dos produtos químicos utilizados na agricultura. Os benefícios econômicos para os agricultores e banqueiros da cidade convenceram os legisladores a aturem com urgência. Envolverde/IPS