Nairóbi, Quênia, 25/7/2012 – Os habitantes da África oriental esperam há meses o lançamento de um novo sistema de pagamentos, que integrará a transferência eletrônica de dinheiro na região. Contudo, devido aos contínuos atrasos no início do sistema, economistas temem que a fraca infraestrutura financeira seja o obstáculo à sua implantação. O sistema, uma réplica da Zona Única de Pagamentos em Euros que se aplica na União Europeia, fará com que todas as entregas eletrônicas de dinheiro dentro da Comunidade da África Oriental (EAC) tenham as mesmas características, mediante a harmonização de leis, políticas e regulações da região.
Embora a população já faça pagamentos eletrônicos entre diferentes partes da região, esta prática costuma ser insegura. Atualmente, processar as transferências transfronteiriças na África oriental também consome vários dias. Entretanto, quando finalmente for lançado, o sistema não terá precedentes na África. Nem mesmo a União Aduaneira da África Austral, a mais antiga do mundo, utiliza um sistema de pagamento eletrônico comum. Algumas fontes dizem que isto acabará levando à criação de um banco central único para Quênia, Uganda, Tanzânia, Ruanda e Burundi, os países que participam da rede.
“Este sistema é um passo adiante para a criação de um só banco central na região, bem como para uma moeda comum”, opinou à IPS o economista e pesquisador do mercado regional Danson Mwangangi. Também se trata de uma integração comercial. “Isto tem a ver com transferências eletrônicas, um método de pagamento cada vez mais comum, na medida em que a Comunidade da África Oriental continua integrando o comércio”, explicou um economista e analista político do Banco Central do Quênia envolvido no processo, que pediu para não ser identificado.
No entanto, esse futuro parece muito distante. Embora estivesse previsto que o novo sistema seria lançado em abril, ainda não está em vigor. E o Banco Central do Quênia, um dos arquitetos do projeto, se nega a divulgar informação sobre seus avanços ou a fixar nova data para a inauguração. George Ntawagira, economista ruandês que trabalha no Quênia, disse à IPS que a demora pode ser pelo fato de a economia na região ter uma fraca infraestrutura financeira. Pelo menos 60% de todos os pagamentos na EAC são feitos em dinheiro, sistema que é perigoso e frequentemente ineficiente.
As atividades bancárias são de risco na região, já que uma grande quantidade de bancos no Quênia perde enormes quantias por ano devido a retiradas ilegais feitas por criminosos com conhecimentos de informática, destacou Ntawagira. “É necessário minimizar este tipo de risco. A população da África oriental ainda tem grandes expectativas sobre este sistema, e há preocupação com o atraso em sua criação”, pontuou. “Mas isto era previsível. A infraestrutura financeira ainda é muito fraca para apoiar este sistema. Um dos maiores desafios está nas discrepâncias dos contextos reguladores e supervisores”, acrescentou.
Ntawagira apontou que a maioria dos bancos em toda a África oriental ainda tem diferentes regimes tributários que entorpecem a integração financeira. Uma supervisão exaustiva de todos os bancos da região é crucial para o sucesso do sistema, afirmou. “Embora seja incomum encontrar supervisores de um banco que controlem os de outro, este é um aspecto importante da integração regional, porque as diferentes debilidades de uma instituição financeira podem ser corrigidas para impedir que coloque em risco todo o sistema”, explicou.
Ntawagira observou que, mesmo o M-Pesa, um sistema de sucesso de telefonia móvel que permite transferir até US$ 500 de um celular para outro para pagar contas, enfrentou numerosos problemas quando foi lançado em 2007. Entre eles, dificuldades de conexão à rede e de integração financeira. Segundo o Banco Mundial, desde então se converteu em um caso de sucesso na África, e os pagamentos feitos por esse meio totalizam quase US$ 320 milhões mensais na região. Economistas acreditam que o novo sistema de pagamento eletrônico mudará significativamente o modo como circula o dinheiro entre os países da região.
Prevê-se que o sistema não será apenas mais seguro do que a atual estrutura bancária, como também será mais barato e eficiente. “Hoje, se alguém se muda para outro país da África oriental, ainda que temporariamente, tem que passar por uma série de procedimentos complexos para abrir uma nova conta em seu novo país” de residência, explicou Ntawagira. Com o novo sistema de pagamento eletrônico, os moradores da África oriental poderão continuar usando as contas bancárias que já possuem em seus países de origem enquanto residem em outra parte. Também se espera que o sistema leve a um aumento dos investimentos.
“A EAC continua se esforçando na tentativa de atrair investimentos estrangeiros diretos. Isto se deve amplamente à má infraestrutura em todos os setores, seja o rodoviário, o financeiro, entre outros. Este sistema poderá melhorar os investimentos estrangeiros diretos”, disse por telefone à IPS desde a Tanzânia o analista econômico Titus Mwakazi. “Um mercado financeiro integrado pode potencializar a liberalização do comércio interno, estimular o desenvolvimento de projetos viáveis, fortalecer as instituições financeiras e incentivar as inovações, além de reunir os escassos recursos da região”, acrescentou.
De todo modo, apesar da promessa que implica um sistema financeiro integrado para a problemática economia da EAC, há vários desafios pela frente. Entre eles a questão do desigual crescimento e sofisticação do setor bancário em alguns países como Ruanda e Burundi. “O Quênia conseguiu um crescimento muito maior do que os outros países. Um sistema bancário fraco em um país pode comprometer o sucesso do sistema, ao aumentar o risco das transferências eletrônicas transfronteiriças”, enfatizou Mwangangi. Envolverde/IPS