Liberações de OGMs, cadeia alimentar, violação do princípio de precaução

O quadro acelerado de liberações de OGMs no Brasil, o controle da cadeia agroalimentar e a sistemática violação do princípio da precaução.

Entre 2008 e 2010, o Brasil aprovou o uso comercial de 26 tipos de sementes transgênicas, mais dez vacinas de uso animal e uma levedura geneticamente modificada (GM) de uso industrial. De um total de 28 variedades GM hoje liberadas, 21 sementes são para resistência a herbicidas. Não por acaso, em 2008, o Brasil passou a ser o maior consumidor de agrotóxicos do mundo e, em 2009, o país com a segunda maior área cultivada com transgênicos. Além disso, a cadeia produtiva dos alimentos transgênicos está concentrada em apenas seis grupos multinacionais, que controlam a produção de sementes e também de agrotóxicos.

Em março deste ano, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, pesquisadores e representantes do setor produtivo discutiram esse quadro de descontrole com o secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento, Carlos Nobre, apresentando propostas e cobrando algumas medidas por parte do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT).

O documento elaborado por AS-PTA e Terra de Direitos, e entregue ao MCT está agora disponível na íntegra e pode ser obtido aqui.

Sumário

1. Breve contexto

Uso crescente de agrotóxicos – Entre 2008 e 2010, o Brasil aprovou o uso comercial de 26 tipos de sementes transgênicas, mais dez vacinas de uso animal e uma levedura GM de uso industrial. De um total de 28 variedades GM hoje liberadas, 21 sementes são para resistência a herbicidas. Em 2008, o Brasil passou a ser o maior consumidor de agrotóxicos do mundo e, em 2009, o país com a segunda maior área cultivada com transgênicos. A soja, que a principal cultura transgênica no país, consome 46% de todo o veneno aplicado nas plantações.

Concentração da cadeia produtiva – Apenas seis grupos multinacionais controlam todo o setor de sementes transgênicas. Já no segundo ano de plantio de milho transgênico, 75% das novas cultivares no mercado eram transgênicas. Como essas seis multis são também as maiores sementeiras do mundo, manipulam o mercado de forma a reduzir as opções de sementes convencionais.

Contaminação – As sementes transgênicas foram liberadas sem a criação de garantias efetivas de coexistência para os demais produtores. A contaminação vem ocorrendo tanto pelo fluxo de pólen como pela mistura de grãos ao longo da cadeia produtiva.

2. Atuação da CTNBio

Sigilo – Os processos na CTNBio há tempos tramitam sob sigilo. Mais recentemente até membros da Comissão têm sido impedidos de ter acesso à documentação. Há casos em que, inclusive, resultados de ensaios de campo são classificados como de interesse industrial. A CTNBio tem vetado acesso de terceiros aos processos, atuando de forma pouco transparente e comprometendo o conteúdo das audiências públicas.

Ausência de estudos independentes – As liberações comerciais são aprovadas quase que exclusivamente com base nas informações da empresa interessada, sendo que, no geral, os dados apresentados são falhos e incompletos e sem qualidade, por exemplo, para passar pelo crivo de uma publicação científica.

Papel das liberações planejadas – Os testes de campo são aprovados aos milhares, de maneira quase automática. Estes, que deveriam gerar informações de biossegurança em condições brasileiras, limitam-se a testes agronômicos e até mesmo demonstração para produtores em feiras agropecuárias.

3. Principais ilegalidades

Avaliações em desacordo com a lei – A liberação comercial de uma semente GM, no geral, vale irrestritamente para todo o país, mas sua avaliação prévia de risco não exige testes nos diferentes biomas. Os efeitos da tecnologia em larga escala só serão conhecidos se forem feitos estudos de seguimento, mas a CTNBio tem dispensado a aprovação de planos de monitoramento pós-liberação comercial.

Eventos piramidados – Dez das 28 sementes GM liberadas comercialmente resultam do cruzamento de dois ou mais OGMs. Estas plantas são de análise evidentemente mais complexa, mas estão recebendo tratamento quase de aprovação automática. A CTNBio vem, caso a caso, dispensando a aplicação de suas regras internas para liberações comerciais.

Mosquito transgênico – Em dezembro passado, a CTNBio aprovou teste de campo com Aedes aegipity transgênicos para controle da dengue. Toda a informação disponível ao público resumia-se a experimentos sobre “insetos GM-NB-2”. Na verdade, milhares destes mosquitos já estão sendo soltos em cinco bairros de Juazeiro (BA), sem o consentimento prévio informado da população local.

Levedura transgênica – A CTNBio aprovou uma estirpe de Saccharomyces cerevisae modificada para a produção de diesel a partir do bagaço de cana. Ocorre que a levedura foi criada a partir de técnicas de biologia sintética, para as quais não há uso regulamentado no país.

4. Decisões COP 10 – MOP 5

Realizados em outubro do ano passado no Japão, os encontros resultaram na aprovação de protocolo de avaliação de riscos de OGMs que defendemos que seja incorporado pelo Brasil e reafirmou as moratórias internacionais às tecnologias genéticas de restrição de uso (GURTs), à geoengenharia e à biologia sintética.

* AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos.

** Publicado originalmente no site da Adital.