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Liberdade de imprensa, mas não total

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A imprensa no Egito ainda pode ter problemas por causa do que publica.
Cairo, Egito, 4/5/2011 – Com a queda dos regimes autocráticos na Tunísia e no Egito também se desbaratou, em grande parte, o controle oficial da imprensa local, mas jornalistas e blogueiros ainda devem ter cuidado com o que publicam. “Os limites são muito difusos neste momento”, disse Rasha Abdulla, presidente do Departamento de Jornalismo e Comunicações de Massa da Universidade Norte-Americana no Cairo. “Estamos em um período de transição, e não há legislação que garanta a liberdade de expressão”, afirmou.

Grupos de direitos humanos internacionais reconhecem o Oriente Médio e o Norte da África como os lugares mais difíceis para o trabalho jornalístico. No ano passado, a organização Freedom House colocou a Tunísia entre os últimos dez países (ainda abaixo da Somália) em sua lista anual de liberdade de imprensa no mundo. No Egito, que ficou um pouco mais acima, no posto 130 em um total de 196, foi constatado um aumento da intimidação legal contra jornalistas e blogueiros, à taxa alarmante de uma ocorrência por dia.

Entretanto, a situação para a mídia parece ter melhorado depois que os protestos populares derrubaram os presidentes Zein Al Abidine Ben Ali, da Tunísia, e Hosni Mubarak, no Egito, em 14 de janeiro e 11 de fevereiro, respectivamente. “Antes de 11 de fevereiro tínhamos rígidas ordens para não falar sobre determinados assuntos, sobre a Irmandade Muçulmana ou sobre Mohammad El Baradei” (opositor de Mubarak), disse Ashraf El-Leithy, subeditor da estatal egípcia Agência de Notícias do Oriente Médio (Mena). “Agora contamos com completa liberdade para escrever de tudo, sem restrições”, assegurou.

Ashraf explicou que muitos jornalistas e editores da Mena apoiavam desde o começo a revolução, mas não se afastaram da linha oficial por medo. Agora que Mubarak se foi e seu partido está dissolvido, a agência deixou de ser a “voz do governo para se converter na voz do povo”, ressaltou.

Para o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado no dia 3, as Nações Unidas escolheram o tema “Meios de Comunicação do Século 21: Novas Fronteiras, Novas Barreiras”. Este ano, a data coincidiu com o 20º aniversário da Declaração de Windhoek para a promoção de meios de comunicação livres e pluralistas, um desafio pendente na região.

Os regimes árabes dependem tradicionalmente da mídia estatal para consolidar o poder. Controlam as ondas de rádio e televisão, bem como os postos de venda de jornais, supervisionando o que é publicado e censurando vozes de oposição. Também patrocinam agendes nos meios “independentes”, como produtores, editores e apresentadores de programas de debates, para transmitir a mensagem oficial.

Por sua vez, os ditadores ocultam suas transgressões e seus fracassos atrás de leis de imprensa draconianas para intimidar, silenciar e sufocar jornalistas críticos. Os que falam contra o regime e suas políticas são vítimas de processos legais, multas ou prisão. “Com este clima repressivo não é preciso a intimidação física. O medo leva as pessoas a se autocensurarem”, disse o especialista em mídia Mahmoud Alam Eddin.

Analistas afirmam que as mudanças estruturais que se seguiram ao colapso dos regimes autoritários na Tunísia e no Egito arrancaram a mordaça da mídia e abriram a porta para uma imprensa mais independente. O governo provisório tunisiano aboliu o Ministério da Informação, no dia 17 de janeiro, três dias após Ben Ali fugir do país.

No Egito, os militares assumiram o governo e também acabaram com o Ministério da Informação, mas nomearam um de seus generais para supervisionar as transmissões de rádio e televisão. O governo interino no Cairo também substituiu a junta de diretores e editores de sete jornais e revistas do Estado, medida que para muitos foi apenas cosmética.

Muitos jornalistas no Egito perderam a credibilidade, já que por anos foram aduladores do regime e apenas nas últimas horas do governo de Mubarak se expressaram abertamente contra. “As pessoas que trabalham nessas instituições não estão acostumadas à liberdade de expressão, e muitas apenas querem saber quem é o novo chefe. Certamente, não estão atacando Mubarak tão fortemente quanto costumavam aplaudi-lo”, disse Addulla à IPS.

Grupos de direitos humanos elogiaram o fim das restrições à imprensa na Tunísia e no Egito, mas alertam que podem surgir novas limitações. A organização Repórteres Sem Fronteiras informou, após sua visita à região em fevereiro, que embora tivesse acabado a censura oficial na internet, ainda existiam alguns controles. Em particular, continuavam bloqueados blogs críticos ao desempenho das forças de segurança tunisianas. Em abril, um tribunal militar egípcio condenou a três anos de prisão o blogueiro Maikel Nabil, por “insultar o sistema militar” e “divulgar informação falsa”.

Nabil havia denunciado a conduta militar desde o começo da revolução de 25 de janeiro, citando informes de direitos humanos sobre supostas torturas de dissidentes. Em publicações anteriores, este blogueiro de 26 anos explicara sua decisão de resistir ao serviço militar obrigatório e exortou outros a fazerem o mesmo. “A dura sentença teve o objetivo de enviar a mensagem de que as críticas ao exército não seriam toleradas”, disse Adel Ramadan, um dos advogados de Nabil.

Em carta enviada a editores de jornais no dia 22 de março, o Conselho Supremo das Forças Armadas do Egito alerta que toda a cobertura sobre o sistema militar primeiro deve ser aprovada pelos encarregados de relações públicas e inteligência do governo interino. Defensores dos direitos humanos dizem que os militares perderam sua imunidade diante da crítica da imprensa no mesmo momento em que assumiram o controle do país.

“A regra de não escrever nada sobre os militares já estava em vigor antes da revolução. Agora que os militares estão no governo, as pessoas têm direito de condenar seus abusos de poder”, disse Ramadan. Envolverde/IPS