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Líbia domina conversações entre União Europeia e União Africana

Bruxelas, Bélgica, 3/6/2011 – Os líderes da União Africana (UA) e da União Europeia (UE) se comprometeram a trabalhar como “sócios iguais” na promoção da democracia e das oportunidades econômicas no continente africano. Chefes dos órgãos executivos dos dois blocos encerraram, no dia 1°, dois dias de conversações centradas em segurança alimentar, economia e direitos humanos. Entretanto, as discussões foram eclipsadas pela campanha liderada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para forçar a renúncia do líder líbio Muammar Gadafi e pela crise de refugiados no Sul da Europa.

“Tivemos reuniões abertas, francas e intensas”, disse o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, em uma entrevista coletiva juntamente com seu colega da União Africana, Jean Ping. “Esta é uma África nova e jovem, e querem o mesmo que nós: democracia”, afirmou Barroso, acrescentando que “a verdadeira estabilidade só pode ser dada pela democracia”.

As comissões executivas dos dois blocos se reuniram seis meses depois da cúpula África-UE, convocada pelo próprio Gadafi em Trípoli, e no momento em que a Otan anunciava uma extensão de 90 dias de sua campanha de bombardeios contra o regime líbio. Prometendo uma “solução política” para o conflito, Ping disse que “a Líbia é parte da África, e não podemos encontrar uma solução que não envolva toda a África”.

Embora Barroso tenha falado em “sócios igualitários”, a África continua sendo, em grande parte, dependente do comércio europeu e das doações. A UE é o maior fornecedor de ajuda ao desenvolvimento (recorde de 53,8 bilhões de euros em nível mundial em 2010) e responde por 56% da ajuda aos 48 países menos adiantados, 33 dos quais estão localizados na África subsaariana. No dia 1°, Barroso anunciou mais ajuda para o nascente Estado independente do Sudão do Sul, no total de 300 milhões de euros.

Em resposta ao aumento dos preços dos alimentos e às secas regionais que prejudicaram os agricultores africanos, a UE acaba de aprovar um programa de três anos no valor de um bilhão de euros, destinado a impulsionar a produção e expandir o financiamento, a infraestrutura e a capacidade de armazenamento das pequenas zonas agrícolas. Analistas veem a sociedade entre as 27 nações da UE e as 53 da União Africana como algo crucial para ser possível enfrentar os complexos desafios do desenvolvimento. Em geral, a Europa foi reconhecida por seus esforços para fornecer recursos às organizações da sociedade civil, bem como para saúde e educação.

Siphokazi Magadla, conferencista sobre estudos de políticas e assuntos internacionais na Universidade Rhodes, da África do Sul, disse que a assistência ao desenvolvimento ajudou a reduzir as infecções de HIV (vírus causador da aids), melhorar as condições das mulheres e expandir a educação universal. “A vontade política tanto de doadores como dos governos africanos levou a estes êxitos sem precedentes em várias áreas que mudaram para melhorar a realidade de muitos povos na África subsaariana”, disse à IPS.

Entretanto, a Comissão Europeia prometeu revisar algumas das práticas de assistência do bloco em meio a questionamentos sobre o uso do dinheiro e dúvidas quanto ao compromisso de vários países europeus. Um informe da Corte Europeia de Auditores criticou a efetividade de parte dos milhares de milhões de euros que a UE entrega às operações da Organização das Nações Unidas para zonas de conflito como Sudão, Somália e Costa do Marfim.

Em seu informe de 25 de maio, a corte, com sede em Bruxelas, disse que os projetos financiados pela UE nem sempre eram completados a tempo e custavam muito. Os auditores se concentraram nas operações no Afeganistão, Iraque e Sudão, concluindo que será preciso “assegurar uma administração sólida de todos os fundos canalizados pela comissão por intermédio da ONU”.

Por sua vez, ativistas contra a pobreza afirmam que a UE deveria fazer mais. Um recente estudo da coalizão Concord indicava que, apesar de a União Europeia propor US$ 54 bilhões em ajuda para 2010, sua efetividade se viu prejudicada por orçamentos “inflados”, falta de transparência e fracasso da maioria dos países para cumprirem seus compromissos.

Os grupos da sociedade civil disseram que a UE ficou 15 milhões de euros abaixo de suas promessas para 2010. Líderes da UE se comprometeram com ajuda anual ao desenvolvimento equivalente a 0,51% do produto interno bruto em 2010, e de 0,7% em 2015. Para os 12 países que integraram o bloco desde 2004, a meta era de 0,17% em 2010 e 0,33% em 2015.

A Europa também é questionada pelo contínuo apoio a regimes repressivos, algo que vem à tona diante da crise na Líbia. A agência de desenvolvimento da Comissão Europeia espera reavaliar como sua própria ajuda está sendo usada por países que violam os princípios da cúpula de Lisboa de 2007 entre os líderes europeus e africanos, que pediam o fortalecimento da democracia. Envolverde/IPS