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Lições de democracia chegam pelo rádio

Um grupo de pessoas ouve o programa de educação cívica Let’s Talk (Falemos), na aldeia de Mdhol, no Sudão do Sul. Foto: James Amuda/NDI

Juba, Sudão do Sul, 16/3/2012 – Nas últimas horas da tarde, um grupo de homens e mulheres se reúne sob uma enorme mangueira em Yambio, capital do Estado de Equatória Ocidental, no Sudão do Sul. Não se juntam por motivos étnicos, políticos nem religiosos, mas para ouvir rádio. Estão ali para escutar o programa de educação cívica Let’s Talk (Falemos), divulgado por rádios comunitárias locais. O conteúdo tem como foco a comunidade e seus líderes, e promove o diálogo sobre a transição política do Sudão do Sul para se converter em um país independente e democrático.

O programa apresenta temas cívicos, desde o contexto legal de transição do Sudão do Sul, que se transformou em nação independente em julho do ano passado, até estratégias para combater a corrupção e a proteção dos direitos de mulheres, meninas e meninos. Os 30 minutos do programa, que começou a ser transmitido em janeiro de 2007, quando o país já estava imerso em seu processo de autonomia do Sudão, tem três segmentos: radionovela, grupos de discussão e entrevistas.

“A representação é um segmento em tom de brincadeira que apresenta questões e temas complexos na vida dos personagens de um povoado fictício do Sudão do Sul, de forma simples, com humor, o que a torna mais agradável à audiência”, explicou Rehema Siama, roteirista do programa do Serviço de Rádio do Sudão (SRS). “Asseguramos que os ouvintes fiquem entretidos e informados sobre o tema do dia, mas de forma leve e com muito humor”, acrescentou.

Let’s Talk foi criado pelo não governamental Instituto Nacional Democrático (NDI) e o SRS. Transmite em inglês, árabe e nas duas línguas locais, dos povos dinka e nuer. O programa é apresentado por várias rádios comunitárias: SRS, Bakhita FM, Rádio Emmanuel, Naath FM e Nhomlau FM. A repetição de um programa dedicado à definição de eleições livres e justas despertou receios entre os ouvintes quanto às responsabilidades de seus líderes.

Além de produzir o programa, a NDI organiza “grupos de ouvintes” que se reúnem em algum lugar para ouvi-lo e discutir diferentes temas, bem como o impacto que estes têm em sua comunidade, exatamente como o coletivo de Yambio. “A intenção é fomentar a democracia. Se conseguirmos reunir gente que possa tolerar a opinião dos outros, acreditamos que promoveremos os princípios democráticos. Desta forma, as pessoas aprendem a dialogar em lugar de recorrer à violência para resolver suas diferenças”, afirmou James Amuda, oficial de programa da NDI.

Após ouvir o programa em Yambio, James Kbakilingba falou de sua preocupação sobre o direito de expressar suas próprias opiniões políticas. “Para mim, é importante falarmos com as pessoas sobre os partidos políticos. Temos que informar sobre as opiniões e os objetivos de cada um, bem como dizer-lhes que a lei os habilita a pertencer ao grupo que escolherem”, afirmou.

O Sudão do Sul não é só o país mais jovem do mundo, mas um dos menos adiantados. A vasta extensão de seu território, a extrema pobreza e o elevado nível de analfabetismo convertem o rádio na forma mais segura de se chegar aos 8,3 milhões de habitantes. O programa é um sucesso neste país carente de infraestrutura, onde há poucos caminhos e muitos lugares aonde se chega apenas por ar e pelas ondas do rádio.

“O Let’s Talk teve um papel decisivo no processo que levou à promulgação da Constituição interina, em julho de 2011”, destacou Amuda. “Como instituição que trabalha pela democracia e boa governança no Sudão do Sul, vimos que o processo foi bom, mas também que faltou a muita gente informação sobre o que estava acontecendo. Então, nos pareceu importante que as pessoas entendessem o processo de revisão constitucional”, acrescentou.

O NDI associou-se com a Free Voice Media para produzir uma nova série de Let’s Talk. Marvis Birungi, o jornalista responsável pelo programa, afirmou que é preciso preencher o vazio de informação sobre o processo democrático.

Durante a revisão da Constituição interina, no ano passado, os produtores do programa entrevistaram integrantes do Comitê Técnico para que explicasse o processo e o papel da sociedade civil. “O programa ajudará a conscientizar sobre a Constituição interina. Os ouvintes saberão seu conteúdo. Além disso, sabemos que foi criada uma comissão para revisar o documento permanente, mas as pessoas precisam saber com participar desse processo”, afirmou Amuda.

O programa-piloto da nova série será divulgado no final deste mês em quatro emissoras comunitárias: Rádio Emmanuel, no Estado de Equatória Oriental, Good News Radio (Rádio Boas Notícias), no Estado de Lagos, Rádio Junqali, em Junqali, e Rádio Bakhita, em Equatória Central. Seu esquema inclui a apresentação de um tema, uma breve radionovela, um segmento de discussão e uma entrevista longa com um especialista sobre o tema do dia.

“Sabemos que a Constituição contradiz algumas leis tradicionais. Por exemplo, diz que a mulher tem direito a herdar os bens de seu falecido marido, o que é contrário aos costumes”, acrescentou Amuda. “Então, buscamos uma pessoa que conheça a Constituição e um membro da comunidade com uma perspectiva da cultura tradicional para que discutam o assunto”, detalhou. Envolverde/IPS