Rosa Alegria.

Tratar de liderança neste momento tão complexo da humanidade é algo realmente desafiador. Exige muito mais do que trazer conceitos requentados do ideário corporativo, estampados em capas de revistas empresariais, livros que orientam executivos, internet e toda uma série de definições consultadas nas bibliotecas das escolas de administração.

No entanto, é preciso reconhecer a importância que esse tema exerceu em toda a história. Pensadores da antiguidade trataram de definir liderança, cada um na sua época. No tempo dos reis e súditos, Platão veio com a ideia do rei filósofo, e Confúcio, com a do rei sábio. Questionando o poder pelo poder, Lao Tsé, filósofo da antiga China, concebeu o conceito do líder servidor, que tem sido revisitado pelos gurus do management contemporâneo. Em essência, líderes são líderes: ontem, hoje e sempre, aqueles que atuam como o ponto de atração de mudanças, movimentos e revoluções, desde os antigos, orientando novos modelos civilizatórios.

Ainda desfila pelas escolas de administração uma coleção infinita de redefinições do conceito de liderança, criadas por autores consagrados que se destacaram por transgredir conceitos tradicionais. Howard Gardner é um deles. Gardner fornece uma nova perspectiva para se entender a natureza de um líder como aquele ser capaz de influenciar pessoas pela mente, tanto dele próprio como de seus seguidores.

Considerado um dos mais influentes autores da atualidade, Peter Senge – que marcou época com o livro A Quinta Disciplina – insere o pensamento sistêmico na criação de organizações que, para inovar, necessitam sempre criar ambientes de aprendizagem, nos quais o líder, além de ensinar, deve aprender sempre.

Outro conceito de liderança que desconstruiu a hiperobjetividade dos sistemas de avaliação de desempenho foi criado por Daniel Goleman com sua tese da inteligência emocional, na qual o maestro é o líder primal, aquele capaz de administrar as emoções de seus liderados e os influenciar positivamente, propiciando um ambiente agradável, em que equipes de trabalho possam sentir-se gratificadas pela motivação do que fazem mais do que pelo salário que recebem.

Charles Handy, célebre professor de Harvard, tem estudado a falta de significado nas organizações. No mundo corporativo, normalmente esvaziado de valores, no qual seres humanos como todos nós, dotados de uma psique que fundamenta comportamentos, têm de separar seus diferentes mundos internos e vestir as armaduras de um líder que só cobra resultados inalcançáveis, a falta de significado de por quê e para quê trabalhar pode ser a razão de muita infelicidade no trabalho. “Estamos todos querendo saber o porquê do trabalho que fazemos. Era fácil no passado – trabalhávamos porque precisávamos do dinheiro para viver. Agora está claro que o dinheiro – para muita gente e muitas instituições – é mais simbólico que real. Geramos mais riqueza do que realmente precisamos para viver. E o dinheiro passou a ser uma medida rasteira de sucesso. Estamos buscando algo mais”, diz Handy.

Isso se comprova. Uma pesquisa realizada pela Trabalhando.com mostra que o bom ambiente de trabalho é mais importante para 52% dos entrevistados, ficando à frente de oportunidades de promoção (22%) e salário (14%). Outro estudo, realizado em 2006 pela Fundação Dom Cabral, indicava que, há cinco anos, 84% dos altos executivos se consideravam infelizes no trabalho. Tudo perfeitamente explicável, porque somos todos vítimas de fórmulas vazias que promovem realizações instantâneas, fabricadas pelo receituário da mídia, nos fazendo sentir cada vez mais impotentes e distantes desse pseudossucesso vendido nas prateleiras das livrarias.

Numa época tão desafiadora como a que vivemos, certamente a mais desafiadora de toda a História, precisamos reordenar as dimensões do papel de um líder – e do que, para quê e como se deve alcançar os objetivos desse novo tempo. Talvez seja muito mais prático e produtivo trazer perguntas em vez de tentar encontrar respostas que não clareiam as nossas angústias e não definem com a amplitude necessária o que é ser líder numa época em que somos convocados para promover a tão necessária sustentabilidade.

Algumas perguntas me capturam: será que os líderes de ontem ainda têm algo para ensinar aos líderes de hoje? Nossa sociedade hoje tem os mesmos vínculos que a sociedade de ontem tinha com seus líderes? Existem líderes hoje capazes de mobilizar a sociedade para criar com a velocidade necessária um mundo melhor para se viver? Precisamos de líderes para começar a trabalhar orientados pela sustentabilidade? O que é sustentabilidade para mim, para ele, para você? O que queremos sustentar? Nosso conforto ou nossa sobrevivência?

Encontrar respostas claras a essas perguntas seria a primeira tarefa de alguém que se proponha a liderar empresas que decidiram, ou ainda estão por decidir, ser mais construtivas para o mundo e para a humanidade. Aquelas que realmente estão determinadas a efetuar mudanças moleculares em sua gestão e no núcleo do seu negócio. Porque a vida está por um fio.

Jeremy Rifkin, reconhecido visionário do futuro, numa recente palestra promovida pela Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), confessou, a uma plateia de mais de duas mil pessoas, que tudo aquilo que ele imaginava ser possível para conseguirmos mudar a rota e continuar vivendo caiu por terra. Ele trouxe dados apocalípticos, caso a humanidade não adote formas mais sustentáveis de geração de energia. “Para cada grau Celsius de elevação na temperatura global, a atmosfera absorve 7% mais precipitação de chuva, o que significa mais enchentes, mais períodos de seca. E isso já está acontecendo. Quando houve destruição em massa no planeta, foram necessários dez milhões de anos para a Terra se recuperar”, disse.

O tempo é curto para continuarmos trazendo definições do que é ser líder e do que um líder deve fazer. É preciso antes fazer perguntas e não tentar responder questões que ainda não foram aprofundadas à luz de uma nova realidade que envolve toda a vida no planeta Terra.

No entanto, também em busca de caminhos e respostas difíceis de se encontrar, aqui me atrevo a levantar algumas prioridades de um líder que deseja verdadeiramente trabalhar pela sustentabilidade:

* preparar suas empresas para se transformar revendo a natureza do seu negócio, fazendo-as redefinir o que realmente é valor e o que não é valor para a sustentabilidade da vida;

* inspirar as pessoas que lidera, indo além da dimensão mental, mas tocando profundamente seus corações, fazendo-as identificar o que nelas existe de melhor, em vez de motivá-las a obter apenas resultados mensuráveis que se perdem e se cristalizam nos relatórios de sustentabilidade descolados da verdadeira essência humana: a única força capaz de efetuar a verdadeira mudança;

* promover um ambiente de trabalho que permita sonhar, sem medo de transgredir as regras viciadas pelo tangível; imaginar, sonhar, fazer sonhar, inspirar a sonhar junto, ajudar a desenhar sonhos coletivos;

* ampliar o alcance da visão, mudar as lentes, em vez de olhar pelo retrovisor, acender o farol de milha e olhar lá na frente, fazendo suas equipes viajarem para o futuro e voltando com eles ao presente, com um novo repertório de possibilidades.

Creio que essas transgressões administrativas podem resultar em ideias tão criativas capazes de reinventar a natureza do negócio, mantendo-o próspero e sustentável ao mesmo tempo.

Nessa nova ordem de prioridades, o líder que trabalhe pela sustentabilidade precisa se desprender de tudo o que aprendeu nas escolas do management e se desapegar um pouco dessas cartilhas que valorizam, às vezes de forma exagerada, a importância de preencher os espaços de missão, valores, códigos de conduta. Muitos deles só preenchem espaços físicos e não a alma de quem pode e deve mudar. É preciso mudar o eixo de nossos valores, perguntar mais do que responder, liderar para transformar o rumo do negócio na direção da sustentabilidade, desapegar-se do que se aprendeu.

Já dizia o futurista Alvin Toffler que o analfabeto do Século 21 não seria aquele que não conseguiria aprender, mas aquele incapaz de desaprender. E quem sabe desapegar-se até do próprio papel de líder e dar as mãos a todos os que dele precisam como um cidadão planetário comum, que sonha os mesmos sonhos de todos os que precisam continuar vivendo e fazer viver de forma sustentável, considerando toda a multiplicidade de significados do que é “sustentável”.

Liderar para sustentar é desapegar-se de ser o melhor e o maior. É caminhar lado a lado de quem está por perto, como já nos ensinavam os antigos sábios: “para liderar pessoas, caminhe ao lado delas… Quanto aos melhores líderes, as pessoas não percebem sua existência. O melhor lado, a honra das pessoas e o louvor. O outro lado as pessoas temem; e, o outro, as pessoas odeiam … Quando o trabalho do melhor líder é feito o povo diz: fomos nós que fizemos!” (Lao-Tsé).

* Rosa Alegria é consultora especializada em administração de mudanças, facilitadora de geração de ideias, futurista, pesquisadora de tendências, graduada em Letras pela Universidade de São Paulo, mestre em Estudos do Futuro pela Universidade de Houston (Estados Unidos), especializada em sustentabilidade pelo Schumacher College (Inglaterra) e palestrante internacional. Vice-presidente e cofundadora do Núcleo de Estudos do Futuro (NEF) da PUC-SP, e diretora do núcleo brasileiro do Projeto Millennium, rede mundial de pesquisadores que estudam e monitoram os desafios globais.

** Publicado originalmente na Plataforma Liderança Sustentável.