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Limpeza de casas para reunião de alto nível da ONU

Cidadãos descontentes com a lentidão das mudanças protestam na Libéria, enquanto a presidente Ellen Johnson Sirleaf oferece seu discurso sobre o estado da nação. Foto: Wade C. L. Williams

 

Monróvia, Libéria, 4/1/2013 – Fatu Nernee vasculha entre os escombros de sua casa, destruída por tratores da firma Monrovia City Corporation da Libéria, em busca de algo para guardar como recordação do lugar que foi seu lar por 20 anos. Narnee e muitas outras pessoas perderam suas moradias devido ao trabalho de limpeza realizado pelas autoridades por ocasião da reunião do Grupo de Alto Nível (GAN) da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a Agenda de Desenvolvimento Depois de 2015, encerrada no dia 2.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, designou a presidente anfitriã, Ellen Johnson Sirleaf, seu colega da Indonésia, Susilo Bambang Yudhoyono, e o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, David Cameron, presidentes do GAN para assessorá-lo sobre a agenda a seguir quando vencer o prazo de cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). A reunião da Monróvia foi a terceira de um total de quatro. A primeira foi em setembro do ano passado em Nova York.

O GAN estudará formas de construir e sustentar um amplo consenso político em torno de três temas: crescimento econômico, igualdade social e sustentabilidade ambiental. A demolição de casas ocorreu porque Sirleaf escolheu como sede da reunião o hotel Royal Grand, de categoria cinco estrelas, pertencente ao empresário libanês Ezzat Eid. A prefeita de Monróvia, Mary Borh, defendeu as demolições. “Queremos que esta cidade seja a mais verde e limpa da África ocidental”, afirmou em entrevista coletiva.

Entretanto, Nernee, as outras pessoas prejudicadas e os donos de estabelecimentos comerciais demolidos na Rua 24, a cerca de dez quarteirões do hotel, questionam o governo por destruir suas casas e complicar suas vidas. “Destruíram minha casa. A polícia deteve meu irmão e o levaram para a delegacia. Não é fácil encontrar um lugar para alugar nesta cidade. Isto deixou muitas pessoas sem ter onde morar. Tínhamos nossas coisas em casa quando a derrubaram”, contou Nernee à IPS.

A reunião do GAN aconteceu em um país que encarna os desafios do desenvolvimento. A infraestrutura e as instituições políticas da Libéria foram destruídas em duas guerras civis, de 1989 a 1996 e de 1999 a 2003, consideradas as mais sangrentas da África. Com 4,2 milhões de habitantes, a Libéria ainda está em suas primeiras etapas de reconstrução e a falta de eletricidade e energia baratas continua sendo um problema.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) estima que 85% da população economicamente ativa do país está sem emprego. Por sua vez, o Escritório de Estatísticas informa que 77,9% dos que trabalham o fazem de forma autônoma ou de maneira temporária, a maioria não qualificada. Sirleaf destaca os avanços consideráveis obtidos por seu governo desde que assumiu em 2006. A ONU indicou que a quantidade de mulheres que morrem por complicações derivadas da gravidez e do parto caiu pela metade em 20 anos.

No entanto, a Libéria continua com uma das maiores taxas de mortalidade do mundo, com 994 falecimentos para cada cem mil nascidos vivos. “A Libéria é outra vez considerada por muitos uma verdadeira amiga, uma boa vizinha na região, uma contribuinte confiável para a paz e a segurança internacional e um melhor destino para os investimentos. Atualmente, nossa república está mais segura, forte e melhor”, afirmou Sirleaf aos legisladores, no dia 28 de janeiro, em seu discurso sobre o estado da nação.

“Informamos aos visitantes que não está tudo bem na Libéria. Este governo deixou muitas pessoas sem lar e sem trabalho”, disse Julius T. Dweh Jessen III, um dos participantes da manifestação contra a lentidão dos avanços, enquanto a presidente fazia seu discurso. Ma Mary Frederick, de 74 anos, cujo marido morreu na guerra civil, permaneceu de pé sob o Sol abrasador segurando um cartaz em protesto pelo pagamento dos benefícios militares de seu falecido marido.

“Vi uma votação, vi a segunda e não veja nada do governo”, afirmou Frederick, se referindo às duas eleições democráticas que houve no país desde que Sirleaf se converteu na primeira presidente do pós-guerra em 2006. “Todos os dias protestamos sob o Sol e apanhamos da polícia. Não tenho nada, e meus netos não podem ir à escola”, lamentou. “Ficamos sentados em casa sem nada bom para comer e eles pioraram tudo derrubando a casa em que vivíamos. Agora dormimos ao relento”, denunciou.

As imagens contrastantes da reunião de governantes, em um hotel cinco estrelas no centro de Monróvia, enquanto a poucos quarteirões a população local protestava pela demolição de suas casas, deixam dúvidas sobre os objetivos e a substância do encontro, e as implicações que terá para este país, disse à IPS o estudante Janjay Gbarkpe. Porém, nem todos concordam a respeito. O economista liberiano Sam Jackson disse à IPS que a reunião do GAN é uma oportunidade para que a Libéria destaque os progressos obtidos após a guerra e forje a agenda de desenvolvimento.

“A Libéria é um país de pós-guerra, e como tal os desafios em matéria de desenvolvimento são enormes”, observou Jackson. “É importante para a paz e a segurança fazer parte da nova agenda global, e depois de dez anos de paz e segurança na Libéria é possível ver o que se pode conseguir. Desejamos que a paz e a segurança sejam a base da transformação econômica do mundo”, acrescentou. Envolverde/IPS