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Longa e difícil convalescência do Sudão do Sul

Uma criança olha através de um monóculo no hospital universitário de Malakal, Sudão do Sul. Os enfrentamentos continuam aqui apesar do acordo de cessar-fogo. Foto: Mackenzie Knowles-Coursin/IPS
Uma criança olha através de um monóculo no hospital universitário de Malakal, Sudão do Sul. Os enfrentamentos continuam aqui apesar do acordo de cessar-fogo. Foto: Mackenzie Knowles-Coursin/IPS

 

Juba, Sudão do Sul, 4/2/2014 – O Sudão do Sul está dando os primeiros passos do que promete ser um longo processo de saneamento das fraturas que atiçaram mais de cinco semanas de lutas, deixando milhares de mortos e feridos e 863 mil refugiados. Mas as tensões continuam, após informes sobre combates em algumas áreas do país e da decisão do governo de prosseguir nas acusações de traição contra quatro presos políticos.

Quanto mais se estender o processo, pior ficará a situação para as centenas de milhares de refugiados. O ministro de Informação do Estado de Nilo Superior, Philip Jibe Ogal, disse à IPS que na semana passada houve disparos nos arredores de Malakal, a capital estadual. Os enfrentamentos violam um cessar-fogo que há duas semanas assinaram governo e rebeldes.

Martin Ojok Karial vive em Malakal e trabalha no Ministério das Finanças. Malakal sofreu duas ondas de combates. O mercado central da cidade está destruído e pelo menos 27 mil pessoas buscaram refúgio na base da Organização das Nações Unidas (ONU) nos subúrbios. Karial é um deles. A organização humanitária Médicos Sem Fronteiras também anunciou, em 31 de janeiro, que a atual insegurança obrigou milhares de pessoas a fugir para a floresta do Estado de Unidade.

Para Karial, a violência é resultado de uma rivalidade política que fugiu ao controle. “Muitas pessoas estavam morrendo sem motivo algum. Porque os enfrentamentos são entre duas pessoas: o presidente do Sudão do Sul e seu vice. Isto não é motivo para as pessoas lutarem e se matarem entre si”, opinou à IPS.

Em Juba, os combates começaram em um barracão militar em 15 de dezembro e se espalharam rapidamente, primeiro por toda a capital e depois para o centro e o leste do país. O presidente Salva Kiir acusou seu rival político e ex-vice-presidente, Riek Machar, de tentativa de golpe de Estado. Machar negou a acusação, mas reconheceu que agora está em aberta rebelião contra o governo.

Após duas semanas de negociações em Adis Abeba, capital da Etiópia, as duas partes assinaram, em 23 de janeiro, um fim de hostilidades. Apenas horas depois, começaram a se acusar entre si de violação do acordo. Kariak ponderou que agora as pessoas perderam a fé em seus líderes políticos. Mesmo se os dois lados chegarem a um acordo de paz, terão muito dificuldade em convencer as pessoas de que vai durar, acrescentou.

O governo libertou sete dos 11 presos políticos que mantinha desde meados de dezembro, enviando-os na semana passada para Nairóbi, no Quênia. E no dia 1º deste mês chegou ao Sudão do Sul um grupo de observadores regionais para supervisionar o cessar-fogo. O ministro da Justiça, Paulino Wanawilla, reconheceu que não havia provas suficientes para acusar sete dos presos, mas anunciou acusações de traição contra os outros quatro, acusados de ajudar Machar, e mais dois, ainda em liberdade, de orquestrarem um golpe contra o governo, incentivando os enfrentamentos.

Apesar de o governo se negar a atender as demandas dos rebeldes, nenhuma das partes se retirou das conversações de paz, cujo reinício está previsto para esta semana na Etiópia. “As partes estão comprometidas e prontas para resolver o conflito de forma pacífica”, disse o major-general etíope Gebreegzabher Mebrahtu após chegar a Juba. O oficial lidera os esforços de vigilância organizados pela Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento, um bloco regional.

Não está claro se as duas partes poderão conseguir uma negociação que volte a unir este dividido país. Em uma exortação pastoral divulgada na semana passada, o cardeal católico Gabriel Zubeir Wako apediu “melhor governança em toda a nação, e o fim do poder político personalista”. Enquanto a população não se sentir segura de que tem certo controle sobre seus líderes políticos e sobre o que ocorre no país, não abandonará as bases da ONU, as igrejas e as mesquitas onde buscou abrigo.

Valerie Amos, secretária-geral adjunta de Assuntos Humanitários na ONU, visitou Malakal na semana passada e conversou com vários dos mais de 64 mil refugiados. “Mesmo quando lhes disse que precisamos trabalhar na reconciliação, necessitamos que todas as comunidades se unam, que os líderes se unam, que precisamos garantir a segurança das pessoas, não se convenceram”, disse Amos.

Por outro lado, pediram para serem levados a outras partes do país ou do exterior. É uma situação frágil. Enquanto o número de refugiados continua aumentando a ONU e seus sócios humanitários se esforçam para fornecer suficientes alimentos, água potável e abrigo a todos. Os focos de doenças também são um risco presente.

Os trabalhadores humanitários começam a chamar a atenção para as implicações da situação no longo prazo. “Estamos chegando ao período anual de fome, e isto é muito provável, porque as pessoas foram forçadas a abandonar suas casas devido à insegurança, e não terão as mesmas reservas de comida que tinham antes”, ressaltou à IPS o diretor-geral da Médicos Sem Fronteiras, Arjan Hehenkamp.

A ONU informou que há 3,2 milhões de pessoas em risco de insegurança alimentar imediata, e que mais de sete milhões podem ter a mesma sorte este ano. E enquanto as duas partes continuarem lutando, a situação somente vai piorar. Envolverde/IPS