Colombo, Sri Lanka e Katmandu, Nepal, 21/10/2013 – Alguns o chamam de “luto congelado”. É o ponto em que para as famílias é impossível elaborar a perda, mesmo anos depois do desaparecimento de seus entes queridos. “As famílias dos desaparecidos entram em uma visão de túnel”, afirmou Bhava Poudyal, delegado de saúde mental no Comitê Internacional da Cruz Vermelha no Azerbaijão. Ele se refere a milhares de famílias que ainda procuram seus entes queridos desaparecidos em seu Nepal natal, ou no Sri Lanka, Azerbaijão e em dezenas de outros países.
“Suas vidas estão dominadas pela ausência, não há libertação. Vivem com a ambivalência da esperança e o desespero dia após dia”, explicou Poudyal à IPS. Isso soa familiar para Santhikumar, mecânico de bicicleta de aproximadamente 40 anos, que vive em Oddusudan, na Província do Norte de Sri Lanka. Seu cunhado desapareceu em abril de 2009, nas fases finais da guerra que as forças armadas travaram contra os rebeldes Tigres para a Libertação da Pátria Tamil.
Santhikumar ajuda sua irmã e suas duas sobrinhas a chegaram ao fim do mês, enquanto continua procurando seu cunhado, que também era o sustento econômico da família. Visitou cada centro de detenção policial no norte e em áreas próximas, sem êxito. “As pessoas chegam e nos dizem que o viram tal dia em tal lugar. E vamos procurá-lo, mas não encontramos nada concreto”, contou. A família se acostumou à busca sem fim, disse Santhikumar.
“Há dias bons e dias maus. Em geral, estamos bem, mas alguns dias minha irmã simplesmente fica com o olhar perdido durante horas, e outras vezes suas filhas explodem em choro. Os aniversários são as datas mais difíceis; as meninas têm muitas lembranças do pai”, afirmou.
A cerca de 2.300 quilômetros dali, Rena Mecha compartilha o mesmo desespero na aldeia de Jalthal, distrito de Jhapa, no leste do Nepal. Com 36 anos, mãe de um rapaz de 16 e uma garota de 14, busca seu marido, desaparecido durante o Movimento pela Democracia de 2006, como é conhecido o período de protestos contra o regime do rei Gyanendra. “Quando desapareceu, perdi tudo. Nada pode devolver essa vida”, lamentou Rena à IPS.
Registros da Cruz Vermelha mostram que no Nepal houve cerca de 1.400 desaparecidos desde o acordo de paz de 2006. Nas áreas rurais, as esposas se negam a ser chamadas de “viúvas”, porque isso significaria toda uma nova série de complicações sociais, como ter que se vestir de branco e que os demais as considerem uma “presença ruim”. No sul do Sri Lanka as comunidades também isolam as mulheres que aceitam que seus maridos desaparecidos estejam mortos, acusando-as de traí-los, explicou Ananda Galappatti, médico antropólogo que trabalha com famílias afetadas por essas tragédias.
No Azerbaijão, afirma Poudyal, muitas famílias continuam colocando um prato na mesa para o ausente, inclusive muito depois de seu desaparecimento. Durante o conflito de Nagorno-Karabaj, entre as repúblicas do Azerbaijão e da Armênia, e após o colapso da União Soviética em 1991, desapareceram cerca de 4.600 pessoas. O que torna “muito difícil, ou mesmo impossível” elaborar o luto “é o constante estado de espera”, observou à IPS o delegado da Cruz Vermelha no Sri Lanka, Zurab Burduli.
Galppatti explicou que os familiares experimentam uma crise de identidade que pode exacerbar-se pelo entorno social. “Sou casada ou viúva? Sou um filho sem pai? Sou pai de uma filha morta? Planejar o futuro se torna extremamente difícil nessa situação”, afirmou à IPS.
No Sri Lanka, o número de desaparecidos é motivo de polêmica. Um grupo de trabalho presidencial criado para investigar a insurreição que a organização marxista Janata Vimukhti Peramuna iniciou no sul do país no final da década de 1980, registrou pelo menos 30 mil desaparecimentos em 1995. A Cruz Vermelha tem em suas mãos 16.090 casos de desaparecidos no Sri Lanka desde 1990.
Segundo Burduli, o primeiro passo para ajudar essas famílias é reconhecer sua complexa situação e organizar planos de assistência especiais. “A experiência da Cruz Vermelha em todo o mundo mostra que, devido à complexidade das necessidades e de sua natureza multifacetária, os mecanismos de coordenação nacional estão melhor adaptados para abordá-las”, destacou.
No Nepal, as famílias admitem que, desde que foi lançado o programa de busca nacional, após o acordo de paz de 2006, sua situação melhorou um pouco. “Eu era a única da minha aldeia com alguém desaparecido. Me sentia tão sozinha… Agora pelo menos há pessoas que entendem minha situação”, disse Mecha. Organizações da sociedade civil dão apoio psicossocial a famílias do Nepal, mas esse serviço ainda não está consolidado no Sri Lanka.
“É imperativo que qualquer processo público inclua também o acompanhamento psicossocial, com profissionais sensíveis e qualificados que estejam perto das famílias, enquanto se preparam ou passam por essas experiências”, ressaltou Galappatti. Ao mesmo tempo, funcionários da Cruz Vermelha do Nepal que trabalham na busca de pessoas, alertam que tratar com as famílias leva tempo. “Todos buscam respostas o tempo todo. O estado de perda ambígua é uma tortura”, enfatizou Shubadhra Devkota, dessa organização. Envolverde/IPS