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Luta mundial pelo direito à terra em ponto de inflexão

Crianças indígenas portam cartazes de apoio à luta pelo direito à terra em Cherãn. Foto: Daniela Pastrana/IPS
Crianças indígenas portam cartazes de apoio à luta pelo direito à terra em Cherãn. Foto: Daniela Pastrana/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 7/2/2014 – As tendências mundiais para o fortalecimento dos direitos legais sobre a terra para comunidades indígenas e locais parecem ter parado significativamente nos últimos anos. Analistas alertam que a luta pelo controle local das florestas chegou a um ponto de inflexão, com o perigo de dar marcha a ré nos avanços.

Nos últimos cinco anos, menos de 20% das terras florestais mundiais ficaram sob controle comunitário, segundo pesquisa divulgada no dia 5, em Londres, pela Rights and Resources Initiative (RRI), uma coalizão de 140 organizações internacionais, com sede em Washington. Esta organização indicou também que, no último período, foram implantadas muito menos salvaguardas legais, enquanto as leis aprovadas são mais frágeis.

“Se as empresas privadas e os governos dos países em desenvolvimento não intervierem, todo esse progresso pode ser perdido”, disse à IPS Andy White, coordenador da RRI. “Embora agora se fale muito sobre este assunto, ninguém está investindo realmente, nem os doadores, nem as grandes empresas, nem os governos de países industrializados. Ninguém está pondo dinheiro atrás das palavras para ajudar os países em desenvolvimento a fazerem o mapeamento, os registros e as consultas necessárias para que isso ocorra”, acrescentou.

A paralisação ocorre apesar de um significativo aumento no debate público sobre a terra e os direitos indígenas, com operações multinacionais, tribunais nacionais e doadores do Ocidente, reconhecendo cada vez mais a importância do assunto e se comprometendo a fortalecer as salvaguardas para a gestão florestal. “O cenário predominante em 2013 foi de contínua apropriação de recursos por parte de elites locais e corporações, apoiadas por governos ansiosos por entregar terra a investidores sob praticamente qualquer termo”, segundo o informe anual da RRI.

“Isto tem de mudar, e pode ser mudado. Se a pressão política nos países em desenvolvimento for conjugada com novos compromissos dos governos e de empresas iluminadas com visão de futuro, as perspectivas de deixar claro e respeitar os direitos sobre a terra podem melhorar em 2014”, acrescenta o documento. Porém, no momento, a RRI diz que os últimos acontecimentos mundiais nessa área são “funestos”.

Até o ano passado, comunidades indígenas e locais tinham certo controle sobre cerca de 513 milhões de hectares de florestas. Contudo, particularmente em países de renda baixa e média, os governos continuam administrando ou se atribuindo a propriedade sobre aproximadamente 60% dessas terras. Embora o domínio governamental sobre as florestas comunitárias tenha diminuído cerca de 10% desde 2002, este avanço está em grande parte limitado a certas regiões e a apenas poucos países.

Na América Latina, por exemplo, as comunidades controlam cerca de 39% das florestas, em comparação com apenas 6% na África subsaariana e menos de 1% na bacia do rio Congo. Segundo a RRI, entre 2002 e 2013, foram implantadas 24 novas disposições para fortalecer alguma forma de controle comunitário sobre as florestas. Seis foram aprovadas a partir de 2008, e as que entraram em vigor nos últimos tempos são relativamente mais frágeis; nenhuma é suficientemente forte para reconhecer os direitos de propriedade.

Ativistas afirmam que isso se deve em parte ao fato de as tendências mundiais obrigarem os países em desenvolvimento a explorar agressivamente seus recursos naturais disponíveis. “Não é nenhuma coincidência que a paralisação mundial na reforma ocorra no exato momento em que disparou o valor da terra, da água e do carbono”, disse Raúl Silva Telles do Valle, coordenador do programa de políticas e direitos do Instituto Socioambiental, uma organização não governamental brasileira.

“Por isso, as apropriações de terra aumentaram, e países pobres e desesperados por um impulso econômico veem as florestas como uma matéria-prima, não como o lar de seus cidadãos. Esses governos precisam ver a floresta como algo mais do que apenas terra para exploração e uma coleção de árvores”, destacou Valle. Nos últimos anos, multinacionais como Nestlé e Unilever e instituições multilaterais assumiram uma série de importantes novos compromissos para cumprir e fortalecer os direitos comunitários e indígenas sobre a terra. Entretanto, esses compromissos não parecem ter feito uma grande diferença, pelo menos por enquanto.

De fato, os novos dados sugerem que um dos mais significativos programas multilaterais contra o desmatamento, o de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas (REDD+), administrado pelo Banco Mundial, ainda não conseguiu um impacto importante, apesar dos objetivos declarados. Esses compromissos vão em linha com uma crescente compreensão internacional sobre a importância da posse da terra para atender um amplo espectro de problemas em matéria de desenvolvimento.

Porém, em 2007, repentinamente dispararam os preços da terra e dos alimentos, e isto, segundo analistas, parece ter freado o processo de reformas agrária em curso. “Em 2002, a América Latina continuava atravessando uma série de reformas democráticas que incluíam o reconhecimento dos direitos indígenas como direitos humanos, mas a tragédia é que este relâmpago democrático não ocorreu na África ou no sudoeste da Ásia”, pontuou White.

“Em uma infeliz coincidência, justamente quando estas regiões começavam a assumir compromissos em matéria de reformas, os preços da terra foram ao topo. Vários governos que haviam implantado planos para promover reformas, repentinamente as reconsideraram, entre eles Laos, Libéria e Camarões”, acrescentou White.

Meia década depois, os novos dados deveriam preocupar os especialistas em desenvolvimento e pobreza. “Agora a RRI considera que a situação dos direitos sobre a terra está em um ponto de inflexão mundial, perdida entre a crescente compreensão sobre a importância da posse comunitária, por um lado, e a paralisação na consagração legal e plena desses direitos, por outro.

Garantir a posse da terra não é algo muito caro, particularmente comparado com os custos da violência que cresceu em torno das disputas agrárias nos últimos anos. Na verdade, isso poderia servir de forte motivação econômica para que os governos de países industrializados voltem a priorizar as reformas a favor do controle local das terras florestais. “Aqui há uma oportunidade clara para aumentar os investimentos estrangeiros e fortalecer a renda e o alívio da pobreza”, enfatizou White.

“Todos sabemos que os investidores conscientes não entram em países onde as disputas pela terra são um problema, e sabemos que há bilhões de dólares chapinhando no mundo em busca de um lugar para ir, particularmente quando se espera que a demanda mundial por alimentos duplique até 2050. Este conflito salta diante de nós, e não vai diminuir, mas pode-se atrair bons capitais e bons modelos empresariais se forem incentivadas essas reformas”, opinou White. Envolverde/IPS