Nações Unidas, 7/6/2013 – A fotografia de um raquítico menino observado por um abutre no Sudão, feita por Kevin Carter em 1993, ficou na memória coletiva para sempre. A perturbadora imagem lhe valeu um prêmio Pulitzer e se converteu em um chamado de atenção para as circunstâncias nas quais sobreviver é a única prioridade. Reduzir a mortalidade infantil e melhorar a saúde materna são dois dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da Organização das Nações Unidas (ONU), que em 2000 a comunidade internacional fixou com prazo até 2015.
Enquanto a ONU elabora uma lista de novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a revista médica britânica The Lancet publicou, no dia 5, uma série de informes nos quais conclui, entre outras coisas, que a má alimentação é responsável por quase metade (45%) das mortes de menores de cinco anos no mundo. São mais de três milhões de meninas e meninos dessa faixa etária que morrem a cada ano por essa causa, que inclui desnutrição e sobrepeso, dois problemas de alcance global.
O objetivo dos programas agrícolas deve ser melhorar a alimentação, e não apenas aumentar a produção, afirmou à IPS o professor Robert Black, da Faculdade Johns Hopkins Bloomberg de Saúde Pública, dos Estados Unidos. “Esses programas não foram projetados de forma ideal”, ressaltou. Black citou o conceito de “agricultura sensível à nutrição” e destacou a importância de adotar medidas em nível comunitário que atendam esse aspecto específico. A colaboração entre sociedade civil, agências humanitárias e o setor comercial podem fazer a diferença em escala local, explicou Black. “Maior participação de entidades, como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), é importante”, ressaltou.
Martin Bloem, assessor nutricional do Programa Mundial de Alimentos, concorda com Black e destaca o papel dos “anganwadis”, centros estatais de atenção à infância criados pelo governo indiano. Porém, vários estudos indicam que a falta de recursos e de condições adequadas de higiene nesses locais apresentam novos desafios para atender os problemas alimentares nesse país. Quando as comunidades locais estão envolvidas, é primordial contar com inspeção e fazer um controle rígido, advertiu.
A investigação de The Lancet antecede a cúpula do Grupo dos Oito países mais ricos (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia), que, por sua vez, precederá um encontro de alto nível sobre Nutrição e Crescimento, organizado pelos governos do Brasil e da Grã-Bretanha. A revista britânica conclui que atender o problema implica atacar as causas da má nutrição, como “pobreza, insegurança alimentar, falta de educação e desigualdade de gênero”.
O estudo também mostra que cerca de 15% das mortes de menores de cinco anos podem ser prevenidas mediante o fornecimento de vitamina A e complementos de zinco, bem como atendendo as necessidades da dieta das mulheres grávidas, entre outras medidas. A saúde da mãe durante a gestação e os mil primeiros dias do bebê são cruciais para o crescimento das crianças, explicou Bloem à IPS. “As pessoas tampouco se dão conta da relação entre o atraso no crescimento e a obesidade, que podem aumentar as possibilidades de doenças cardiovasculares. Além disso, é urgente relacionar a saúde com o sistema alimentar mundial”, insistiu.
“A associação entre público e privado pode ajudar a elaborar produtos que sejam nutritivos e acessíveis às populações vulneráveis de todo o mundo”, opinou Ellen Piwoz, oficial de programa para nutrição e saúde familiar da Fundação Bill & Melinda Gates, em entrevista à IPS. Porém, o que freia a luta contra a má nutrição é “a falta de um compromisso real e de iniciativa dos governos”, observou Wener Schultink, diretor de nutrição do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A redução da fome e da pobreza são prioridades da ONU, mas, “ao observar indicadores, como sobrepeso, se vê que os progressos são insuficientes”, ressaltou.
Segundo o estudo da The Lancet, problemas emergentes como obesidade e sobrepeso “acarretam uma dupla carga de doenças maternas e infantis”, em países onde a desnutrição já é um enorme inconveniente. Um correto equilíbrio entre uma dieta nutritiva adequada e uma indústria alimentar acessível, encabeçada pelos setores público e privado, bem como a implantação de iniciativas em escala comunitária, podem oferecer soluções para vencer este “assassino”, afirmam especialistas.
Desnutrição em resumo
A deficiência de ferro e cálcio contribui de forma substancial para a mortalidade materna.
Há no mundo cerca de 165 milhões de meninos e meninas com raquitismo.
A maioria dos menores de cinco anos com sobrepeso, aproximadamente 32 milhões em 2011, vive em países de baixa e média rendas.
O atraso do desenvolvimento fetal está associado a mães de baixa estatura e baixo peso, e causa 12% das mortes neonatais.
A amamentação materna deficiente é a causa de morte de mais de 800 mil bebês por ano. Envolverde/IPS