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Mães e avós hondurenhas buscam seus desaparecidos migrantes

Rosa Nelly Santos arruma, na sede do Comitê de Familiares Migrantes de El Progresso, o lugar destinado a migrantes hondurenhos desaparecidos, uma espécie de altar para não esquecê-los. Foto: Thelma Mejía/IPS
Rosa Nelly Santos arruma, na sede do Comitê de Familiares Migrantes de El Progresso, o lugar destinado a migrantes hondurenhos desaparecidos, uma espécie de altar para não esquecê-los. Foto: Thelma Mejía/IPS

 

El Progresso, Honduras, 11/9/2014 – São avós, mães e familiares dos migrantes que há 14 anos, unidas pela dor e pela angústia, formaram nesta cidade do norte de Honduras um comitê destinado à busca de seus parentes desaparecidos na rota migratória para os Estados Unidos. Agora o Comitê de Familiares Migrantes de El Progresso (Cofamipro) é uma das organizações defensoras de direitos humanos mais reconhecidas em Honduras.

Desde seu surgimento, em 1999, apresentam nas tardes de domingo o programa Abrindo Fronteiras, transmitido pela Rádio Progresso, da católica Companhia de Jesus em Honduras. Inicialmente o espaço se chamava Sem Fronteiras, mas, na medida em que foi crescendo a atividade do comitê, “decidimos mudar para Abrindo Fronteiras, porque as abrimos e agora nos ouvem mais do que antes, não só os migrantes, como também os governos”, disse à IPS a sorridente Rose Nelly Santos, integrante do Cofamipro.

No programa, elas fazem um trabalho social orientando os migrantes sobre como estão as rotas, tocam música de seu gosto para animá-los e fazem serviço social para que possam enviar mensagens aos seus parentes em Honduras. Sua fundadora, Emeteria Martínez, morreu há um ano, meses depois de conseguir localizar suas duas filhas, desaparecidas há 21 anos.

Encontrar seus familiares foi o motor que as uniu, recordou Santos. “Nascemos do nada, descobrindo que a dor de uma era a mesma da outra, nos reuníamos na casa de uma companheira e assim fomos nos armando para sair à rua em busca de nossos parentes”, detalhou. Eram 20 no começo, agora passam de 40.

São mulheres simples e cheias de esperanças, apesar da dor de não saber nada de seu familiar ou de enfrentar tragédias tão impactantes com a matança de Tamaulipas, no México, há quatro anos, quando o cartel Los Zetas, uma organização criminosa desse país matou a queima-roupa 72 migrantes em uma fazenda na localidade de San Fernando, dos quais 21 eram hondurenhos.

A matança de Tamaulipas mostrou a Honduras o outro lado da migração, o lado do sofrimento, que vai além das remessas de dinheiro que chegam dos que conseguem alcançar a meta norte-americana. “Isso foi como uma derrota para nós, espera-se que seu filho vá bem na rota migratória, que cruze a fronteira, mas não que o devolvam em um caixão massacrado. Isso é muito forte”, contou Santos, que, como outras companheiras do Cofamipro, levou assistência e consolo aos familiares das vítimas.

O comitê foi formado por mulheres voluntárias que perderam o medo do desconhecido e, há mais de uma década, aderiram às caravanas do migrante organizadas pela rede do Movimento de Migrantes Mesoamericanos e que anualmente, em setembro, percorre a rota do migrante em busca de seus parentes desaparecidos. Essa rota começa na Guatemala e termina no norte do México.

“Na primeira vez que fui à caravana, há três anos, entendi o trabalho da minha mãe, aprendi com sua dor e tomei a decisão de me dedicar inteiramente ao comitê”, testemunhou à IPS uma das filhas da falecida fundadora, Marcia Martínez, de 44 anos. “Eu não tinha ideia do número de mães e parentes que participam dessa caravana, nem da travessia que minha mãe fazia. Percorrem todos os caminhos que o migrante atravessa, perguntam por eles com cartazes, buscam respostas que às vezes nunca chegam ou chegam tarde. Quando encontramos um dos nossos, é algo indescritível”, acrescentou.

“Cada vez que ouvia o La Bestia (o trem mexicano de carga usado pelos migrantes) sentia arrepios, porque ali descobri o quanto é perigosa a rota do migrante, para os quais os trilhos do trem são sua almofada, dormem nas vias e quando estão no teto dos vagões esperam que parta, mas uns dormem de cansaço e acabam caindo”, disse Martínez.

O Cofamipro tem sua sede em um centro comercial da calorosa cidade de El Progresso, no norte do departamento de Yoro, a 242 quilômetros de Tegucigalpa. Antes estavam na sede dos jesuítas, mas, graças a pequenas doações, conseguiram alugar um pequeno local onde chegam os que precisam de apoio para localizar familiares.

Desde sua criação, conseguiu documentar mais de 600 casos de desaparecimentos. Destes, mais de 150 foram encontrados. Os demais continuam sendo procurados, embora acreditem que muitos morreram no caminho ou caíram nas redes do tráfico de pessoas. Inicialmente, o governo não reconhecia o comitê, mas seu trabalho nas caravanas mesoamericanas ajudou a serem ouvidas e poderem apresentar casos de migrantes desaparecidos junto à Chancelaria. Em junho, finalmente, conseguiram o status de pessoa jurídica.

Sua luta não foi fácil. Funcionários hondurenhos as chamavam de “velhas loucas”, quando há anos elas, sozinhas, marcharam até Tegucigalpa para pedir atenção por seus desaparecidos. A resposta foi uma canção que entoavam diante da Chancelaria e que Santos cantou orgulhosa: “Os da Chancelaria nos chamam de mentirosas, somos mulheres decentes e provamos com fatos, o que exigimos aqui, fazemos com todo o direito”.

Seu trabalho firme e silencioso está salpicado de êxitos. Quando a IPS entrevistou um grupo delas, acabavam de salvar a vida, com seus contatos mexicanos, de um hondurenho, parente de um funcionário local de El Progresso. Um grupo criminoso o sequestrara e conseguiu mais de US$ 3 mil de seus familiares, antes que estes procurassem o Comitê, onde trataram de sua libertação em uma operação da Procuradoria mexicana.

O grupo alertou para a atual crise migratória há cinco anos, mas ninguém ouviu. E assegura que os migrantes continuarão fugindo do desemprego e da violência. Em El Progresso, uma das cinco principais cidades hondurenhas, são conhecidos casos de mães que fugiram quando as gangues as avisaram que seus filhos seriam forçosamente recrutados quando tivessem idade para entrar na organização criminosa e, enquanto isso, dariam dinheiro para sustento e estudos da criança.

Estima-se que mais de um milhão de hondurenhos emigraram para os Estados Unidos desde a década de 1970, mas o êxodo disparou a partir de 1998. Desde abril, Washington intensificou a deportação de famílias com menores de idade e de pessoas adultas. As autoridades hondurenhas indicam que, nos sete primeiros meses deste ano, retornaram deportadas 56 mil pessoas, das quais 29 mil chegaram dos Estados Unidos por via aérea e 27 mil do México por via terrestre.

Honduras tem 8,4 milhões de habitantes e um índice de homicídios de 79 em cada cem mil, segundo dados oficiais. Em 2013, os emigrantes contribuíram para a economia hondurenha com US$ 3,225 bilhões em remessas, segundo o Banco Central, cerca de 15% do produto interno bruto.

Para o Cofamipro, a crise migratória deve servir aos governos para revisar suas políticas públicas e deixar de estigmatizar e criminalizar os migrantes, porque “não são delinquentes, são trabalhadores internacionais”, definiu Santos com firmeza. Ela tem, ao menos, o consolo de ter encontrado há quatro anos o sobrinho que procurava. Envolverde/IPS