Maioria de adultos excluídos na educação é de origem rural

Os alunos viam na educação um meio para a mobilidade social.

A fim de traçar um perfil dos adultos que buscam se alfabetizar e de entender quais os motivos que os levaram a não estudar quando crianças, a educadora Vanessa de Oliveira Pupo desenvolveu a pesquisa Disposições Culturais e Analfabetismo no Brasil: Histórias de Exclusão Educacional, defendida na Faculdade de Educação (FE) da Universidade de São Paulo (USP). Vanessa observou que a maioria deles era originária da zona rural, e essa origem os distinguia dos que moravam na zona urbana naquela época, fazendo-os ter um modo de vida diferente. Modo de vida esse que acabava não valorizando a educação escolar.

A pesquisadora entrevistou 483 adultos matriculados em séries de alfabetização (1ª a 4ª séries), na cidade de Piracicaba, em todas as escolas municipais que ofereciam este tipo de curso, por meio de questionários pessoais. Para o estudo, orientado por Afranio Mendes Catani, Vanessa usou o conceito de disposição cultural, do sociólogo Pierre Bourdieu. As disposições culturais são um conjunto de regras, incorporadas de maneira inconsciente pelas pessoas, que produzem nossa visão de mundo e condicionam nossas tomadas de posição, sendo adquiridas por intermédio das experiências de vida e em instituições constituídas em nossa sociedade. Segundo a educadora, os entrevistados tinham disposições culturais diferentes da cultura propagada no cenário urbano na época em que eram crianças.

Com as informações coletadas, foi observado que a maioria dos novos estudantes tinha mais de 50 anos (190 pessoas da mostra), que os gêneros estavam equiparados (51% de mulheres e 49% de homens), assim como a etnia (50% de brancos e 50% de negros e pardos). As ocupações mais comuns eram doméstica, dona de casa, pedreiro e desempregado. Dos 483 estudantes, 68% eram originários da zona rural e lá moravam em sua idade escolar. Seus pais ou irmãos também não eram alfabetizados, o que demonstra terem sido criados com uma cultura onde o estudo não é prioridade. Já seus filhos eram alfabetizados, havendo uma mudança nessa cultura, que pode ser explicada inclusive por causa das exigências do mundo em que vivem hoje.

Essas exigências do mundo atual e a inserção social possibilitada pela educação são alguns dos principais motivos para que os alunos tenham tomado a iniciativa de voltar a estudar. Segundo a pesquisa, os entrevistados desejavam arrumar emprego, ajudar os filhos na escola, aumentar sua autoestima e “deixar de ser cego” na sociedade. “Tais informações mostram que o grupo reconhece a importância da educação e a visualiza como ferramenta para a mobilidade social, tanto que eles colocaram seus filhos na escola”, diz Vanessa.

Etnia

A pesquisadora diz que esperava que o número de negros e pardos se alfabetizando posteriormente fosse maior que o de brancos, resultado que não se confirmou. Segundo ela, muitos se declaravam brancos, quando visivelmente não o eram. Uma explicação para este fato é o preconceito racial, que ainda é uma questão cultural forte na sociedade.

Essa diferença pode ser explicada pelo método aplicado, já que eram os próprios alunos que deveriam se autodeclarar como pertencente a alguma etnia, seguindo os padrões do IBGE. Para Vanessa, isso influiu na resposta. Ao mesmo tempo, a população total da cidade de Piracicaba também se divide igualmente entre as etnias, tendo o resultado reproduzido o padrão.

Dívida histórica

Para a pesquisadora, a principal função de seu estudo é mostrar para a sociedade quem e como são os adultos que estão dentro das salas de alfabetização. Vanessa diz que, ao iniciar a coleta de dados, verificou que não havia um histórico do perfil dos alunos na Secretaria Municipal de Educação, o que tornou a pesquisa útil para o município saber quem são os alunos que passaram pelas escolas no ano de 2009.

A educadora acredita haver uma dívida histórica com estas pessoas, que são tradicionalmente excluídas da sociedade, e que é necessário saber quem eles são e quais os fatores que os afastaram da escola, ou, no conceito de Bourdieu, conhecer a trajetória de vida que contribuiu com sua disposição cultural. Na pesquisa em questão, houve grande dicotomia entre o campo e a cidade, mas, como Vanessa enfatiza, pode haver um conjunto de variáveis que contribuem para a situação de exclusão desses alunos (tais como etnia, idade, gênero e procedência). Mas, para isso, é necessário antes conhecer os adultos que a sociedade está alfabetizando.

* Publicado originalmente no site Agência USP.