Santiago, Chile, 8/3/2012 – Um grupo de organizações sociais realiza no Chile a campanha Mais Mulheres no Poder, que busca maior incorporação feminina em cargos públicos de decisão e representação popular, para avançar rumo a uma democracia paritária. “Mais Mulheres no Poder nasce da convicção profunda, da análise e do diagnóstico da sub-representação das mulheres na tomada de decisões e, em certa medida, dos retrocessos quanto à importância da presença de mulheres nos espaços de tomada de decisões”, explicou à IPS a socióloga Teresa Valdés.
A diretora do Observatório de Gênero e Igualdade explicou que esta luta é “um velho desejo, mas hoje tem um novo impulso diante do retrocesso evidente do governo de Sebastián Piñera em matéria de igualdade e na perspectiva das eleições municipais de outubro”. A campanha se integra às ações do movimento de mulheres organizadas no país pela passagem do Dia internacional da Mulher.
O Chile aprovou o voto feminino em sua legislação em 1934, quando as mulheres passaram a ter a faculdade para votar e serem votadas em eleições municipais. Somente em 1949 as chilenas conseguiram um voto político, e em 1952 puderam pela primeira vez votar para presidente. E foi preciso passar mais de 50 anos para ser eleita a primeira presidenta, a socialista Michelle Bachelet (2006-2010), agora diretora-executiva da ONU Mulheres.
As mulheres representam pouco mais da metade dos 17,5 milhões de habitantes do Chile, 53% dos eleitores e 43% da força de trabalho. Entretanto, sua participação em cargos de representação popular é de apenas 12,7% na câmara baixa do Congresso e apenas de 5% no Senado. “O Chile está abaixo da média da região quanto a mulheres em espaços de tomada de decisões, e em déficit quanto aos compromissos internacionais que assinamos como Estado para aumentar a representação”, detalhou à IPS a coordenadora da campanha, Carolina Carrera, presidente da Corporação Humanas. Os números da participação feminina chilena em espaços de representação “são uma vergonha”, ressaltou.
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) indica que a representação de mulheres no Poder Legislativo do Chile é de 14,2%, bem abaixo da média da região, de 22,4%. O país fica à frente de Colômbia (12,7%), Paraguai (12,5%), ou Brasil (8,6%), mas atrás de Cuba (43,2%), Costa Rica (38,6%) e Argentina (38,5%).
Porém, Valdés esclareceu que a campanha não acredita que o caminho para aumentar a presença feminina no poder político no Chile seja uma lei de cotas, como as que permitiram a alta participação na Argentina e Costa Rica, por exemplo. “A questão das cotas ficou velha”, afirmou. Como “a sociedade está composta por homens e mulheres por igual, não cabe falar de lei de cotas, mas falar de uma representação equilibrada em todos os espaços”, explicou. A diretora do Observatório destacou que “as cotas foram instrumento para avançar rumo a uma sociedade paritária”.
De acordo com Valdés, o preocupante é que, até 2010, o Chile aparecia como o país mais avançado na região em matéria de políticas públicas para a igualdade, após 20 anos de políticas continuadas na matéria, que foram aceleradas no governo de Bachelet. “Éramos tomados como modelo na América Latina, mas, ao mesmo tempo, somos um país que não consegue avançar na representação das mulheres no sistema político”, observou.
Devido a isto, Mais Mulheres no Poder pede reformas substanciais no sistema político eleitoral vigente no Chile, que
foi desenhado em 1980 pela ditadura do falecido general Augusto Pinochet (1973-1990). A campanha pede uma nova Constituição, mudança do sistema eleitoral binominal que privilegia a existência e o domínio de dois grandes partidos, leis para a igualdade, partidos políticos democráticos, transparentes e paritários, e financiamento público preferencial para campanhas de mulheres.
As coordenadoras da campanha consideram este o momento propício para sua difusão, principalmente quando nas eleições municipais de outubro o padrão eleitoral passará de oito milhões para 12,5 milhões de pessoas, ao entrar em vigor uma reforma do sistema eleitoral que estabelece a inscrição automática e o voto voluntário. Do total de 4,5 milhões de novos eleitores, 80% terão menos de 35 anos.
Apesar da reforma, Carrera garantiu que os temas da igualdade se mantêm excluídos da discussão política. “Não vimos análise nenhuma de como as reformas poderiam impactar a participação política das mulheres”, explicou.
Carrera ressaltou que “por isso a campanha não fala apenas de representação paritária, mas também de uma nova Constituição, porque queremos a paridade não só numérica, mas que existam leis de igualdade”.
“As reformas políticas que vierem não poderão ser pensadas sem os efeitos diferenciados que estas têm na incorporação de homens e mulheres no espaço da política pública. Acreditamos que o país deve romper com esta lógica machista de que o espaço público é particularmente masculino”, ressaltou Carrera. Nessa linha, Valdés destacou que, em 2006, quando Bachelet assumiu, atingiu a paridade numérica (50%) no gabinete ministerial, uma paridade relativa que se manteve até 2010 (40%-60%). “Contudo, o governo atual conta apenas com 18% de mulheres nesses cargos”, afirmou.
Carrera citou ainda avanços durante o governo de Bachelet, uma mulher de esquerda, separada, torturada e exilada pela ditadura, que foi questionada por seu modo “tão feminino” de governar, sem “mão dura”. O “avanço mais simbólico é que a presença da mulher no poder abre a ideia no imaginário das crianças do país de que se pode chegar à Presidência sendo mulher”, afirmou.
Atualmente, a América Latina e o Caribe contam com quatro chefes de governos: Dilma Rousseff no Brasil, Cristina Fernández na Argentina, Laura Chinchilla na Costa Rica, e Kamla Persad-Bissessar em Trinidad e Tobago. Para Valdés, este é o resultado da luta das mulheres durante todo o Século 20. “No começo do século passado as mulheres nem mesmo eram cidadãs”, enquanto atualmente são cinco presidentes, se incluirmos Bachelet, acrescentou Valdés. “São mulheres tremendas, com uma trajetória de luta”, destacou. Por isso, prosseguiu, a luta para abrir espaços se mantém, como se faz há décadas. “Talvez sejam outras as líderes que levarão as bandeiras, mas a luta continua até conseguirmos a democracia paritária que tanto nos faz falta”, concluiu. Envolverde/IPS