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Mais provas de atrocidades em Kordofã do Sul

Washington, Estados Unidos, 8/8/2011 – Depoimentos arrepiantes sobre outro genocídio no Sudão narrados por testemunhas em uma sessão de emergência de uma comissão do Congresso dos Estados Unidos confirmam a terrível violência na região montanhosa do Estado sudanês de Kordofã do Sul. “É uma guerra de terror”, afirmou o bispo anglicano Andudu Adam Elnail, do Sudão, aos integrantes da comissão de Assuntos Externos da Câmara de Representantes, referindo-se à sistemática limpeza étnica do povo nuba.

“A população tem medo. Não sabe o que vai acontecer. Sente-se esquecida porque não há nada de concreto para resgatá-los e libertá-los”, acrescentou Elnail. Pessoas próximas ao bispo lhe disseram que viram como foram cavados dois poços em uma escola durante a noite, usados para enterrar corpos em “grandes sacos”. A informação se soma às provas que se acumulam em Washington sobre uma campanha de muitos anos para exterminar os nuba, que recomeçou após a independência do Sudão do Sul.

Elnail presenciou o lançamento diário de bombas por forças militares que também incendiaram seu bairro – inclusive sua casa foi saqueada – e contou como as pessoas fugiam para as montanhas a fim de se esconderem em cavernas onde não há nada para comer a não ser “mato”.

“As provas são mais do que suficientes para justificar uma rápida ação do governo dos Estados Unidos e da comunidade internacional que atenda a difícil situação nas montanhas Nuba”, disse o presidente do não governamental Persecution Project, Bradford Phillips, outra pessoa que depôs perante a comissão.

“É fundamental que a comunidade internacional pressione a Organização das Nações Unidas (ONU) para que declare imediatamente uma emergência humanitária nas montanhas Nuba e imponha uma zona de exclusão aérea para deter o bombardeio que permita a volta dos voos humanitários”, acrescentou.

Os últimos indícios de limpeza étnica no Sudão estão estreitamente vinculados à complexa história de violência originada na intensa campanha militar travada durante décadas pela Frente Nacional Islâmica (FNI) para islamizar a população africana do atual Sudão do Sul, do Nilo Azul e da região montanhosa do Estado de Kordofã do Sul.

Os nuba foram aliados do Exército de Libertação do Povo Sudanês, principal força de resistência ao FNI, e atual exército nacional do Sudão do Sul. Após a assinatura do Acordo Geral de Paz entre o norte e o sul, de 2005, sob forte pressão de Washington, foi garantido aos nuba a possibilidade de realizarem eleições livres e justas para definir seu futuro político.

Mas as promessas não foram cumpridas. De fato, o presidente do Sudão, Omar Al Bashir disse em abril que expulsaria os nuba das montanhas com tanques e camelos, o que Phillips considerou uma declaração de guerra em “clara violação do acordo”.

O presidente Al Bashir e o atual governador da região montanhosa, Ahmed Haroun, são acusados de crimes de guerra por sua participação no genocídio registrado no Estado de Darfur. “Esses homens fazem o líder líbio Muammar Gadafi parecer uma criancinha. Não vejo razão alguma para que se bombardeie a Líbia e não se faça nada nas montanhas Nuba”, disse Phillips.

As imagens feitas em julho pelo Satellite Sentinel Project, iniciativa para controlar a situação no terreno entre Sudão e Sudão do Sul, mostram valas comuns em Kordofã do Sul, que confirmam as afirmações que constam em um informe da ONU que vazou para a imprensa no mês passado. Contudo, o enviado dos Estados Unidos ao Sudão, Princeton Lyman, contradisse as afirmações e declarou que as imagens via satélite e os depoimentos não são provas suficientes para garantir a existência de valas comuns.

“Fico assustado com a maneira que os Estados Unidos e a comunidade internacional são capazes de tolerar tanto tempo esses assassinos e perseguir outras pessoas que não mataram nem a centésima parte das mortas por Al Bashir e seu regime”, disse Phillips.

Cerca de sete mil pessoas que foram à missão da ONU em Kadulgi, capital de Kordofã do Sul, em busca de refúgio e foram obrigadas a abandonar o perímetro de proteção, em 20 de junho, segundo outro informe das Nações Unidas que também vazou para a imprensa. Afirmou-se que os trabalhadores da Meia Lua Vermelha que os levaram eram pessoas disfarçadas a serviço de Cartum. A ONU desconhece até agora seu paradeiro.

“Parece saído de um filme de terror”, esbravejou o legislador Frank Wolf na sessão do dia 5. “A ONU falhou. Falhou em Ruanda, falhou na Bósnia e falhou em Darfur”, acrescentou. “O governo dos Estados Unidos deve denunciar com mais força o que acontece e pressionar as Nações Unidas para que comece a mudar”, acrescentou Phillips.

As testemunhas e os membros da comissão legislativa exortaram os Estados Unidos a acabar com sua atitude confusa, enquanto o presidente Barack Obama revelava uma nova política para fortalecer a capacidade de resposta de Washington diante de assassinatos em massa. Ao anunciar, na semana passada, a criação da Junta de Prevenção de Atrocidades, Obama reconheceu que, mesmo após o holocausto e o genocídio de Ruanda, os Estados Unidos carecem de um contexto geral para responder a esse problema.

“Falhamos em atender aos primeiros sinais e levantar antes a bandeira vermelha”, disse Tom Andrews, presidente da Rede de Intervenção Frente ao Genocídio. Isto é exatamente o que Wolf pede que façam os funcionários norte-americanos em Kordofã do Sul. “A pergunta é como se sentirão alguns funcionários deste governo quando partirem e souberem que foi perdida a oportunidade de fazerem algo. Não quero que meu país falhe”, acrescentou. Envolverde/IPS