Na coluna anterior, mencionei um fenômeno ligado às sílabas. Nesta, apresento mais dois. O primeiro diz respeito a um caso de variação. Como se descobre (viajando, ouvindo rádio ou vendo TV), um traço de pronúncia saliente em algumas regiões é o que se chama popularmente de “chiado”, associado aos cariocas, mas que ocorre também em outras regiões. O fato é simples: os fonemas /s/ e /z/ são pronunciados [x] e [j] em final de sílaba. As pronúncias [dexte] e [dejde] (deste e desde) ilustram o fenômeno (observe-se que [x] ocorre diante de consoante surda e [j] diante de sonora).

É bom dar-se conta de que o fenômeno ocorre neste contexto restrito, para que não imaginemos que os cariocas dizem [xapato], etc.

Outro fenômeno interessante e produtivo ocorre quando as sílabas terminam em consoantes obstruintes: f p b t d k g. São exemplos afta, apto, abduzir, atmosfera, adjetivo, sexo e Magda, pronunciadas frequentemente áfita, ápito, abiduzir, adijetivo, atimosfera, séquisso e máguida. Como se pode observar, as sílabas se reorganizam de forma a eliminar as que são “estranhas” à língua: em vez das sílabas af, ap, ab, etc. (que, a rigor, não existem em português!), passa-se às sílabas a-fi, a-pi, a-bi, etc., bem mais comuns.

A pronúncia normal, corrente, não excessivamente “cuidada” ou baseada na escrita, é claramente marcada por este fenômeno. Não adianta achar bom ou ruim que haja fatos como estes. São fatos. Temos que aprender a lidar com eles, especialmente na aquisição da escrita.

A maior prova de que se trata de regras da língua são as palavras estrangeiras que apresentam certas características e que se adaptam ao português quando adotadas.

Futebol, por exemplo, deriva de foot ball. A primeira sílaba, [fut], termina com t, uma das oclusivas acima comentadas. O que aconteceu com a palavra? Em futebol ocorreu a mesma inserção de vogal (fut > fu-te) que ocorre nas palavras nativas no mesmo contexto. É a mesma regra.

Há uma pequena variação na pronúncia desta vogal: às vezes, e, outras, i. A escrita adota sempre um e (esnobe, futebol). Mas a pronúncia é variável. Especialmente se o fenômeno ocorrer numa sílaba átona.

Se as palavras fossem escritas como são pronunciadas, haveria variações em muitos casos, como “adevogado / adivogado”, “futebol / futibol”, mas não em outros casos, como “séquisso” (nunca *séquesso).

Esta palavra merece um comentário à parte. Nos exercícios de divisão de sílabas que se fazem na escola, ou na escrita manual, quando a palavra precisa ser separada no final da linha, a divisão é se-xo. Mas observe-se que, quando esta palavra (e outras semelhantes, como taxi) é falada, as sílabas são outras: ou sek-so ou sé-ki-so (tak-si ou tá-ki-si). Ninguém fala *se-kso ou *tak-si.

Estes fenômenos podem gerar erros ortográficos. Seria bom saber analisar os fatos para dar-nos conta das causas dos erros e para que não digamos sempre e só que os alunos não se esforçam. Até porque este é um caso em que, quando maior o esforço de grafar como se fala (como se aprende), maior a probabilidade de erros.

* Sírio Possenti é professor do Departamento de Linguística da Universidade Estadual de Campinas.

** Publicado originalmente no site Carta Capital.