Arquivo

Males da água pesam nos ombros das mulheres da Cachemira

As mulheres da Caxemira rural caminham grandes distâncias para conseguir água limpa. Foto: Athar Parvaiz/IPS

Srinagar, Índia, 4/4/2012 – Naseema Akhtar, de 38 anos, da Caxemira, caminha mais de sete quilômetros todos os dias para apanhar água limpa em um manancial na montanha perto de sua aldeia. E sua preocupação é que o caminho fique mais longo. “Quanto mais acima se vai mais limpa é a água, mas há um limite até onde se pode subir para encher uma lata”, disse à IPS esta moradora da aldeia de Bonpora, no distrito de Kupwara. “Quando estou com pressão pego da água que corre abaixo, mesmo sabendo que está mais contaminada”, acrescentou.

Ackhtar e outras mulheres de Bonporta, 110 quilômetros ao norte de Srinagar, levam com elas pedaços de pano para filtrar a água, mas sabem que isto não é suficiente para evitar os perigosos agentes patogênicos. “Sabemos que o retalho apenas separa os sólidos que não dissolvem, mas, o que podemos fazer? Não existe outra fonte de água segura para atender nossas necessidade diárias”, afirmou Akhtar.

A população da maioria das aldeias da Caxemira depende da água de mananciais da montanha, e quem não pode caminhar longas distâncias recorre às perigosas águas abaixou e de tanques próximos. Esta região, no Estado indiano de Jammu e Caxemira, desde 1989 é cenário de uma insurgência separatista armada, agravada devido às reclamações territoriais do vizinho Paquistão.

“Quando os mananciais de montanha se tornam escassos ou secam, somos obrigadas a usar a água parada de pequenos lagos próximos à nossa aldeia”, contou Shahzad Mir, da aldeia de Badibera, também no distrito de Kupwara. Desde dezembro, Badibera se beneficia da água bombeada de um poço perfurado pelo governo estadual. Mas o líquido extraído desse lugar é denso, pois contém minerais dissolvidos, entre eles flúor.

Os habitantes do lugar se queixam de que o fornecimento varia muito e pode não ocorrer por vários dias seguidos. “No verão, a população daqui regularmente fica doente, e as crianças particularmente propensas a sofrer diarreia e outros males. Os médicos nos dizem que isto acontece por beberem água suja”, disse Mir.

Zareefa Begam, uma mulher de 43 anos que vive na aldeia de Mir, aprendeu com uma experiência ruim. “No ano passado, meus três filhos sofreram diarreia severa e precisei faltar no trabalho por mais de uma semana para cuidar deles”, contou. Outros moradores disseram que estão gastando mais dinheiro do que nunca para tratar doenças estomacais, especialmente em crianças pequenas.

“Meninas e meninos pequenos são os mais vulneráveis às doenças originadas na má qualidade da água”, afirmou a médica Rehana Kousar, do Projeto Integrado de Controle de Doenças na direção de saúde da Caxemira. “A diarreia recorrente pode levar a uma desnutrição severa, bem com a uma interrupção do crescimento e até mesmo à morte”, destacou, acrescentando que as famílias rurais pobres sofrem em várias frentes. “Gastam dinheiro em transporte e remédios, e também têm que perder tempo de trabalho para cuidar dos doentes. E as mulheres, neste ponto, são as mais prejudicadas”, enfatizou.

A mortalidade de menores de cinco anos no Estado de Jammu e Caxemira é de 43 em cada mil, isto é, está muito longe de conseguir o Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que propõe reduzir essa proporção par 31 por mil até 2015.

Segundo Tufail Mattoo, diretor de saneamento rural na Caxemira, a principal causa de diarreia e outras doenças é a defecação ao ar livre nas áreas rurais. “As chuvas levam o material fecal para os corpos de água, tornando-os inseguros. Nos esforçamos muito para desestimular essa prática, mas levará tempo para convencer a população”, explicou à IPS.

Nos meses de verão, o Hospital Médico do Estado de Srinagar trata milhares de pacientes com doenças como febre tifoide, cólera e hepatite. “Cerca de 90% dos pacientes chegam de aldeias onde a água contaminada é um enorme risco para a saúde”, disse à IPS o médico Rafreeq Ahmed, que trabalha nessa instituição. Pesquisa do governo divulgada em março indica que mais de 65% dos sete milhões de habitantes da Caxemira bebem água sem tratamento, e que a maior parte da população depende da água de tanques, correntes e poços.

O estudo, feito junto com outro apresentado em fevereiro pela Unidade Integrada de Controle de Enfermidades (IDSU), mostra elevada quantidade de bactérias coliformes nos corpos hídricos da Caxemira, e fornece pistas sobre o motivo de a diarreia e outras doenças similares estarem aumentando na região. As bactérias coliformes encontradas na água, no solo e na vegetação alerta para a presença de perigosos patogênicos fecais, entre eles bactérias, vírus, protozoários e parasitas maiores.

“Em todas as áreas rurais da Caxemira, os banheiros são construídos perto de corpos de água”, disse o gastroenterologista Ghulam Mohammad Malik, do Instituto Sher-e-Kashmir de Ciências Médicas. Malik também culpa as forças de segurança – enviadas à Caxemira para combater os rebeldes separatistas e deter as infiltrações a partir do Paquistão –, que frequentemente deixam de lado as regras sanitárias.

Atualmente, há cerca de 500 mil soldados na Caxemira, a maioria nos estratégicos pontos mais altos, o que se soma à contaminação dos mananciais naturais. O fato de a Caxemira ser um importante destino turístico e de peregrinação contribui para o problema dos resíduos. Segundo dados oficiais, existem na região 4.300 hotéis, que funcionam sem adequadas instalações de eliminação de águas servidas. Envolverde/IPS