Arquivo

Mapas interativos marcam o crime

Nova York, Estados Unidos, 18/8/2011 – “Andava pela rua falando ao celular quando um motoqueiro se aproximou e arrancou o telefone da minha mão, corri, mas não consegui alcançá-lo. Provavelmente me seguiram.” Esta mensagem enviada por uma vítima de roubo na cidade de São Paulo foi publicada no WikiCrimes, site da internet para denunciar crimes como resposta à falta de ação policial. O WikiCrimes no Brasil, e outras iniciativas semelhantes na Venezuela, Argentina, Panamá, México e Chile, se baseiam em mapas interativos nos quais se pode, de forma anônima, denunciar crimes, explicá-los e localizá-los, e o resultado é um zoneamento da insegurança em uma região afetada pela criminalidade.

[media-credit name=”WikiCrimes” align=”aligncenter” width=”400″][/media-credit]
Mapa de delitos do Brasil: os pontos vermelho indicam as zonas mais inseguras.

Segundo o Informe sobre Segurança Cidadã e Direitos Humanos da Comissão Interamericana de direitos humanos, no começo de 2010, a América Latina era a região com mais homicídios no mundo, com taxa de 25,6 assassinatos para cada cem mil habitantes. Os mais afetados são crianças e jovens entre 15 e 29 anos de idade, com um índice que sobe para 68,9 nesse setor da população. Os mapas buscam suprir a escassez de denúncias e encaminhar a implantação de políticas firmes contra a insegurança, explicou à IPS o engenheiro de sistemas e criador do WikiCrimes, Vasco Furtado.

“Tornou-se comum ouvir alguém que foi assaltado dizer que não fará a denúncia na polícia porque não resolve nada. Algumas pesquisas entre vítimas de crimes em cidades brasileiras mostram que a falta de denúncias nas áreas mais povoadas pode chegar a 60% para determinados crimes”, afirmou Furtado. O WikiCrimes recebe denúncias de todo o mundo, embora a maioria seja do Brasil. Na Venezuela funcionam as propostas de mapas VicTEAMS e QuieroPaz.

A VicTEAMS atua desde 2009 como resposta a milhares de assaltos, sequestros e assassinatos que são cometidos nesse país, principalmente em sua capital, Caracas, considerada a segunda cidade mais perigosa da América Latina, depois da mexicana Cidade Juárez, segundo estudo do Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça do México. O Mapa do Crime da Cidade do México foi uma iniciativa do jornal El Universal, enquanto o Mapa da Insegurança da Província de Buenos Aires foi financiado pelo empresário e deputado de centro-direita argentino Francisco de Narváez.

No Chile e no Panamá nasceram outros sites para mapear crimes, como o chileno Mapa do Crime, que diferencia entre os informados oficialmente e os denunciados online pela população, e o Mi Panamá Transparente, criado por um grupo de jornalistas, que amplia o olhar para incluir a fraude e a corrupção. Na Venezuela, o problema da criminalidade é mais grave por falta de números oficiais, disse o consultor Ángel Méndez, da Tendências Digitais, empresa dedicada a estudos de mercado na área tecnológica. “Somos um dos países mais violentos da América Latina e, lamentavelmente, não há dados oficiais a respeito. O que é informado pela imprensa todas as segundas-feiras são os números dos necrotérios, mas não existe uma base de dados”, declarou Méndez à IPS.

Para o VicTEAMS, o uso de mapas online é um instrumento útil para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas, uma série de metas quantificadas com as quais se comprometeram os governos para reduzir drasticamente a pobreza, a fome, a desigualdade e a deterioração ambiental em todo o planeta. A equipe criadora do site participou do encontro “Participação cidadã na administração do desenvolvimento e da governabilidade pública para o avanço das Metas de Desenvolvimento do Milênio”, realizado em junho de 2010 na cidade espanhola de Barcelona, com patrocínio do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas e do governo da Catalunha.

Nessa conferência foi assinada a Declaração de Barcelona sobre o Papel Crítico do Serviço Público na Consolidação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, segundo a qual “os cidadãos devem ser levados em conta para acelerar o progresso para se atingir essas metas” e os governos devem tratar os problemas sociais de forma preventiva e junto com a sociedade. O auge das ferramentas baseadas na internet se deve ao maior acesso à rede nos países da região. Governos e organizações não governamentais impulsionam em vários países o acesso gratuito ou de baixo custo às novas tecnologias para os setores pobres.

Este é o caso do programa governamental Computadores para a Inclusão do Brasil e, também, dos Infocentros da Venezuela. Entretanto, a capacidade de interação destas ferramentas pode se converter em uma desvantagem por sua própria efetividade, como descrições incompletas, inexatas ou inverídicas. “Uma das preocupações do WikiCrimes é a denúncia falsa. Cabe ao usuário fornecer ao sistema informação que aumente a credibilidade. É possível acrescentar links para vídeos, jornais, fotos ou qualquer outro documento que ajude a acreditar no informante”, disse Furtado.

Nos mapas interativos o peso recai nos cidadãos e em sua vontade de denunciar, mas a cooperação com os governos poderia ser determinante. “As autoridades não veem o WikiCrimes como um aliado porque desafia o statu quo. Temem a pressão da sociedade”, disse o criador do site. Contudo, acadêmicos como a especialista em redes sociais e capital social Iria Puyosa recordam que “o problema da violência criminal na América Latina não se resolve com mapas nacionais online”, que são úteis apenas para combater a falta de visibilidade e a carência de informação, afirmou à IPS.

As denúncias se valem também da integração da internet com outras tecnologias, como a telefonia móvel. Segundo dados da Tendências Digitais, em países como a Venezuela, o telefone celular representa 27% das formas de acesso à rede mundial de computadores, e grande parte da população usa telefones inteligentes para denunciar crimes ou a situação do trânsito pelo Twitter. De fato, a América Latina é líder em redes sociais com Facebook ou Twitter.

Segundo o Ranking Web 2.0, realizado pela Tendências Digitais em julho deste ano, os três primeiros lugares em uso de mídias sociais da região ficam com Chile, Brasil e Venezuela, e o continente é líder na adoção de redes sociais. “Somos mais propensos a compartilhar e estar conectado. Por exemplo, a penetração do Facebook, medida como porcentagem da população, atinge 26% na América Latina, e no mundo é de 20%. No caso do Twitter, utilizando o mesmo parâmetro, temos que na Venezuela é de 8% contra 3% na América Latina e no mundo”, destacou Méndez com base no estudo.

Contas de Twitter como @SINviolenciaMX permitem criar uma rede de usuários que informam e recebem informação sobre áreas de crimes ou imprevistos no trânsito. Porém, Puyosa recorda que essas mensagens, por meio de telefones inteligentes ou redes sociais, não podem ser consideradas uma denúncia real. “Uma denúncia efetiva, com possibilidade de obter resposta legal, deve passar pela formalização junto à polícia. As vítimas descarregam sua frustração emocional via Twitter ou Facebook, mas estes não são canais efetivos de denúncia”, alertou. Envolverde/IPS

* Siga José Domingo no Twitter @idguariglia.