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Mar Vermelho poderia reanimar o Mar Morto – Parte 2

Encher o Mar Morto pode não passar de um sonho. Foto:Pierre Klochendler/IPS

 

Ein Feshka, Cisjordânia, Palestina, 1/3/2013 – Com as relações entre Israel e Palestina em um de seus priores momentos, como também o Mar Morto, surgem dúvidas quanto ao projeto do canal “Vermelho-Morto” poder realmente ajudar a recuperar, não apenas o lago desértico hiper-salgado, mas também a paz na região, como se propõe a megainiciativa do Banco Mundial.

Dois dos principais objetivos do projeto de construir um canal desde o Mar Vermelho até o Mar Morto objetivam salvar este último de desaparecer e “construir um símbolo de paz na região”. Se, por fim, o megaprojeto receber luz verde do Banco Mundial, sua implantação dependerá dos doadores, e o clima econômico internacional não é auspicioso.

À Jordânia será destinada a maior proporção de água dessalinizada, cerca de 230 milhões de metros cúbicos por ano. Israel e a Autoridade Nacional Palestina (ANP) receberão, cada um, 60 milhões de metros cúbicos anualmente. Porém, numerosos ambientalistas jordanianos criticam a iniciativa.

“A maior parte da obra será em território jordaniano”, disse Munqeth Mehyar, diretor da EcoPeace/Amigos da Terra do Oriente Médio-Amã (FoEME-Amã). “A Jordânia foi muito afetada pela crise econômica global. Isto não faz prever nada bom para a ajuda internacional”, acrescentou. “Além disso, o projeto empregará somente 1.700 pessoas e isso nos anos de auge da construção”, afirmou, se referindo ao estudo de viabilidade divulgado pelo Banco Mundial em janeiro.

Para que o canal se concretize e se desenvolva é importante a cooperação entre os três beneficiários que compartilham o Mar Morto (Israel, ANP e Jordânia). E isso dependerá da conjuntura política. “O aqueduto será vulnerável a ataques terroristas”, alertou Gidon Bromberg, diretor da FoEME-Israel, em entrevista coletiva em Tel Aviv com suas contrapartes jordanianas. “O destruído gasoduto do Egito é um exemplo oportuno”, ressaltou.

Nos arredores da cidade de Jericó, na Cisjordânia, ao norte do Mar Morto, camponeses palestinos plantam tamareiras em um campo que “pertence” a um assentamento israelense. “Não temos acesso ao Mar Morto, é um território ocupado. Como o canal poderia nos ajudar?”, perguntaram. “Nós chamamos o Mar Morto de ‘ocupado’”, disse Silvan Shalom, ministro de Desenvolvimento Regional de Israel.

“O canal poderia ser uma base sólida para a paz se os palestinos não tivessem ficado fora dele”, afirmou Mehyar, do FoEME-Amã. “Se a ANP quiser se unir, é mais do que bem-vinda. Mas os verdadeiros sócios são Israel e Jordânia. O projeto não servirá ao seu fim de promover a paz a menos que os palestinos controlem sua costa sobre o Mar Morto, e não fiquem apenas encarregados do projeto”, destacou.

Por sua vez, Broomberg afirmou que “Israel terá que reconhecer a Palestina como ribeira do Mar Morto. Não vejo o atual governo nacionalista cedendo. E se não o fizer, os possíveis doadores não liberarão o dinheiro”.

No estudo de viabilidade o Banco Mundial alerta que “não há um consenso claro a respeito de o projeto ser benéfico para a paz”. Mas, em outra parte insiste que “há um possível benefício para a paz no projeto”. Empresários interessados imaginam, talvez de forma prematura, que o “benefício para a paz” prometido virá em forma de lagos artificiais, ao estilo da Disneylândia para fins turísticos e recreativos, no deserto de Avará, transformando-o no “Vale de Paz” ideal. Entretanto, isso pode colocar o carro à frente dos bois.

A água, em termos de recurso existente e não de novas fontes, é um importante motivo de conflito entre Israel e a ANP, e as negociações estão paralisadas desde 2010. O sucesso do projeto do Banco Mundial estará em criar etapas e sincronizar os complexos elementos políticos e técnicos derivados da iniciativa.

Deixando de lado que seria inverossímil Israel reconhecer os direitos ribeirinhos dos palestinos às costas do Mar Morto em expansão, para que uma implantação em etapas atenda os objetivos do projeto, será necessário realizar um mínimo de 75% do plano total. Mas os direitos sobre as terras expostas pela redução do Mar Morto são motivo de controvérsia entre israelenses e palestinos. “Os especialistas do Banco Mundial nos dizem que é tudo ou nada, ou fazemos tudo ou não fazemos nada”, disse Bromberg.

Os ambientalistas preferem apoiar uma combinação mais discreta de alternativas, conhecida como CA1, um estudo com mais de 20 opções também publicado pelo Banco Mundial paralelamente com o de viabilidade. Um plano desse tipo exigirá a cooperação sustentada entre os países beneficiários e, para mudar os padrões de uso da água na indústria e na agricultura, uma política de incentivos e castigos.

“Estas mudanças no uso da água poderão ser alcançados aos poucos, permitindo que haja uma quantidade de água suficiente para restaurar a porção baixa do Rio Jordão e estabilizar o nível do Mar Morto acima do atual”, reconhece o Banco Mundial.

O FoEME pediu cautela no desenvolvimento da iniciativa diante da falta de evidência firme de que o canal Vermelho-Morto não prejudicará o meio ambiente. “Em lugar de avançar com um megraprojeto que nos atará durante os próximos 50 anos, poderíamos implantar vários projetos flexíveis de pequena escala, que respondam às mudanças tecnológicas e que, juntos, cheguem ao mesmo resultado”, opinou Bromberg.

Shalom reconheceu que “todos os países, inclusive a Síria, retiram água do Rio Jordão. Não está somente em nossas mãos”. Bromberg ironizou dizendo que “este tipo de projeto é muito atraente para as autoridades: uma fabulosa cerimônia inaugural, um projeto de US$ 10 bilhões, dez companhias que ficam com uma parte importante do negócio e um punhado de pessoas que se tornam muito ricas”.

Se verá um novo amanhecer no deserto? Não tão rápido quanto o Mar Morto sucumbe à maré cada vez mais baixa devido à atividade humana, desaparecendo na miragem brilhante de sua própria recuperação. Envolverde/IPS

* Este é o segundo de dois artigos sobre questões ambientais e políticas da proposta de recuperar o Mar Morto canalizando água desde o Mar Vermelho.