Uma das principais queixas de saúde dos idosos é a memória que já não funciona como na juventude. Realmente, após os 60 anos de idade, pode-se identificar, por meio de testes psicométricos, um menor desempenho de algumas funções cognitivas, dentro de um universo que chamamos de envelhecimento cerebral normal. O melhor entendimento de como se dá esse declínio é de extrema importância para o desenvolvimento de intervenções clínicas que possam amenizar esse fenômeno. Pesquisadores chineses deram recentemente um grande salto nesse conhecimento e publicaram seus resultados na prestigiada revista Nature.
O estudo teve como objetivo a compreensão do funcionamento da memória de trabalho e o possível incremento de seus mecanismos. A memória de trabalho é aquela responsável pela retenção de informações recentemente adquiridas ou resgatadas pela memória de longo prazo, mas que já não estão mais disponíveis no ambiente externo. É uma ferramenta crítica para uma série de funções cognitivas como a linguagem, planejamento e raciocínio lógico. É ela que nos permite resolver um problema do tipo somar só com a cabeça os resultados de 2+2, 3+3, 4+4 e 5+5.
Já é bem reconhecido que a base neural da memória de trabalho é a atividade neuronal persistente em áreas críticas como o córtex pré-frontal. Os pesquisadores chineses estudaram macacos de diferentes idades e demonstraram que as descargas neuronais no córtex pré-frontal entre os macacos mais velhos eram menores que nos jovens. A principal razão para esse menor nível de atividade com o envelhecimento é a redução das ramificações dos neurônios e alterações químicas que dificultam a atividade neuronal persistente. Os cérebros desses macacos foram então submetidos à aplicação de uma antiga droga para hipertensão arterial (guanfacina) e que teoricamente poderia resgatar o equilíbrio químico e incrementar a atividade neuronal. O resultado foi magnífico. A intensidade dos disparos neuronais entre os macacos idosos passou então a ser comparável à dos jovens.
Esses resultados abrem uma grande janela para novos tratamentos para melhorar o desempenho cerebral de idosos e já existe até um estudo clínico em andamento testando a eficácia da guanfacina para a melhoria de funções executivas nessa população. Já temos evidências também de que o treinamento cognitivo pode ajudar e ainda resta saber também se a abordagem farmacológica pode ter uma ação sinérgica com esse tipo de treinamento.
* Ricardo Teixeira é doutor em Neurologia e pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Dirige o Instituto do Cérebro de Brasília.
** Publicado originalmente no blog do autor ConsCiência no Dia-a-Dia.