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Mega obras facilitam inserção de haitianos

 

Hidrelétrica de Santo Antonio em plena construção, em outubro de 2010. Foto: Mario Osava/IPS

Porto Velho, Brasil, 22/2/2012 – O haitiano Pierre estava na vizinha República Dominicana quando o terremoto de janeiro de 2010 destruiu metade de Porto Príncipe e matou 200 mil compatriotas, entre eles sua mulher e sua mãe. Sobreviveram seus dois filhos, de 13 e 14 anos, os quais deixou com amigos para emigrar para o Brasil. A tragédia de Pierre não terminou nesse dia. Depois seu filho mais novo morreu de fome. Agora, em meio ao desespero, envia tudo o que sobra de seu salário de carregador de caminhões ao filho que lhe resta. Enquanto isso tenta trazê-lo para seu novo lugar no mundo, Porto Velho, capital de Rondônia.

Este é um caso a mais entre os haitianos que chegam ao Brasil em busca de uma nova vida, em particular atrás de dinheiro suficiente não apenas para sobreviver, mas também para ajudar suas famílias, que continuam sofrendo os danos do terremoto em seu país, contou Marilia Pimentel, doutora em linguística e voluntária em um grupo de apoio a imigrantes.

Porto Velho se converteu em ponto de atração pelos empregos que oferece a construção próxima de duas grandes centrais hidrelétricas no Rio Madeira, um dos grandes afluentes do Amazonas, além de pontes e ampliação de estradas na região. A hidrelétrica de Santo Antonio, que terá capacidade para gerar 3.150 megawatts, a sete quilômetros da cidade, acaba de contratar cem haitianos para os cargos de carpinteiro, pedreiro, eletricista e na área de hidráulica.

Contudo, há cerca de 700 desses novos imigrantes em Porto Velho e outros chegam diariamente, disse Geraldo Cotinguiba, antropólogo que, com sua mulher Marilia, ajuda os haitianos a superarem a barreira profissional e social que implicam uma língua e uma cultura distintas. Ambos trabalham em colaboração com a paróquia de São João Bosco, um bairro central, que oferece aos imigrantes alimentação e cursos de português.

É também nessa igreja católica que Samuel Dorvilus, haitiano de 30 anos, desempenha um papel importante. Após ter ensinado inglês e francês aos brasileiros desde que chegou a Porto Velho, em março de 2011, agora é tradutor de creole (língua haitiana) e professor de português para seus compatriotas. Nesta condição, também foi contratado pela Odebrecht, empresa que lidera a construção da represa hidrelétrica de Santo Antonio em Porto Velho, e outros numerosos projetos dispersos pelo Brasil e em outros 34 países em mais de quatro continentes.

Além dos cem haitianos contratados para Santo Antonio, a Odebrecht também empregou 42 pessoas da mesma origem em Teles Pires, outra hidrelétrica que constrói 800 quilômetros a leste de Porto Velho; 40 para prepara uma base em Itaguaí, perto do Rio de Janeiro, para a Marinha fabricar submarinos; e 22 para uma unidade açucareira em Goiás. Estes trabalhadores recebem salário e benefícios semelhantes aos demais empregados, enquanto são capacitados profissionalmente e em língua portuguesa em cursos intensivos, para que assim possam manter suas famílias no Haiti e pagar as dívidas contraídas na longa viagem até o Brasil, informou a empresa.

A Odebrecht mantém o Programa Acreditar de formação profissional para a mão de obra local de onde atua. Cerca de 70% dos quase 20 mil trabalhadores de Santo Antonio passaram por estes cursos. A presença haitiana em Rondônia é pequena, comparada com as comunidades de bolivianos e peruanos, mas se destaca por chegar de um país distante, de população negra e língua menos conhecida no Brasil do que o espanhol. “São estrangeiros, não vizinhos”, e, em geral, só falam creole e francês, explicou Marilia.

Essa nova imigração também recorda o nascimento de Porto Velho, quando outros caribenhos tiveram grande participação. Há cem anos, alguns milhares de antilhanos de língua inglesa, chamados “barbadianos” porque a maioria era de Barbados, junto com brasileiros e estrangeiros de outras origens, como do resto da América, da Ásia e da Europa, construíram a ferrovia Madeira-Mamoré através de uma área inóspita de pântanos e florestas, entre o que depois seria Porto Velho e a fronteira com a Bolívia.

Agora são os haitianos que restabelecem esse fio que une Porto Velho ao Caribe. Fugindo da miséria em seu país, entram no Brasil pelas cidades amazônicas de Brasileia e Tabatinga, nas fronteiras com Bolívia e Colômbia, respectivamente, aproveitando a falta de controle. Daí se dispersam, buscando emprego nas mais variadas empresas, especialmente na construção civil, que vive um auge sem precedentes no Brasil, tanto de moradias como de infraestrutura energética e transporte.

Samuel fez o trajeto usual: de avião do Haiti ao Equador, e dali até Brasileia, que exige passar por Peru e Bolívia. “Primeiro tentei viajar para os Estados Unidos e depois para a França, mas não consegui visto em nenhum dos casos”, contou. Então, optou pelo Brasil, baseado em informações sobre o “povo acolhedor” desse país e a abundância de empregos. Conseguiu visto de entrada e assim entrou legalmente no Brasil, acrescentou.

Escolheu Porto Velho por ser um lugar “tranquilo, onde se pode viver em paz”. Uma cidade de 436 mil habitantes, sem a agitação de grandes metrópoles. Este imigrante, que agora sonha trazer do Haiti sua mulher e o filho de dois anos, estima que 15% de seus compatriotas no Brasil ainda estão sem trabalho.

Cerca de cinco mil haitianos chegaram ao Brasil nos dois últimos anos, 3.500 deles se concentraram no Estado do Amazonas, especialmente em Manaus, segundo Marilia e Geraldo. Ambos pretendem criar um centro de estudos migratórios junto à estatal Universidade Federal de Rondônia, alegando que uma diversificada presença nacional e estrangeira ajudou a formar a atual população brasileira. Envolverde/IPS