A Rio+20, Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, que ocorrerá por aqui, está se aproximando (está marcada para junho) e juro que quero ver como o Brasil pretende justificar diante do mundo seu descompasso entre discurso e prática, entre um modelo de desenvolvimento que faria corar os verde-oliva durante a Gloriosa e a propaganda de país verde, que gera empregos verdes e quer guiar o mundo para uma economia verde. Bem, não vou entrar nesse debate – mais uma vez – mas abordar um outro tema. Cansei de ouvir intelectuais que se autointitulam “progressistas” ou de “esquerda” e afirmam militar por uma sociedade mais justa e humana fazendo coro com setores políticos e econômicos ao pedir que o meio ambiente não seja um entrave para o crescimento. Que se cuide do planeta, adapte-se padrões de crescimento, mas que o “progresso” não seja afetado.
Fazem contas para mostrar que a vida de algumas centenas de famílias camponesas, ribeirinhas, quilombolas ou indígenas não pode se sobrepujar ao “interesse nacional”. Defendem a energia nuclear como panacéia. Taxam de “sabotagem sob influência estrangeira” a atuação de movimentos e entidades sérias que atuam para que o “progresso” não trague o país numa baforada. Já ouvi esse discurso antes. Mas achei que ele estava enterrado junto com a ditadura e os velhos verde-oliva citados acima. Certas coisas nunca morrem, só trocam de farda.
Valeria a pena pararem para refletir e perceber que o que chamam de “interesse nacional” é, na verdade, o interesse de poucos. Como a implantação de usinas hidrelétricas em regiões de mineração para abastecer a siderurgia de exportação. Antes de pensar em escala macroeconômica, é importante ver o que vai acontecer na realidade da população. E os casos que temos visto não são nada bons.
Recomendo a leitura do Relatório de Impacto Ambiental desses projetos. Há centenas de críticas à implantação da obra, prova-se que as consequências à população e ao meio serão imensas, que no longo prazo os empregos gerados não acompanharão o desemprego movido pelas desapropriações de terras. E, no final, vem a conclusão cara-de-pau recomendando o projeto apenas com uma meia dúzia de sugestões para minimizar o impacto. E com um passivo ambiental que não atrapalha ninguém.
Este post não é para defender ONGs, bem pelo contrário. Tem um monte de organizações que agem de forma bizarra, ajudando grandes empresas a ocupar a planície amazônica de forma inconsequente. Outras gastam mais dinheiro organizando discussões que não geram proposições e não levam a lugar nenhum (além, é claro, da manutenção delas próprias…) do que o necessário para garantir a implantação de políticas públicas já discutidas, mas empacadas por falta de verbas e de vontade.
Mas para perguntar: por que uma turma inteligente e esclarecida acha que o capital do Centro-Sul brasileiro pilhar a Amazônia e o Cerrado é muito diferente do Centro mundial pilhar a Periferia? Os resultados são iguais e a história está aí para mostrar as tragédias causadas quando quem detinha o poder e disse representar a maioria subjugou as minorias.
Sendo que, no Brasil, o que acontece com uma minoria em um vilarejo da Amazônia repete-se metonimicamente por todo o território. O problema é igual, mudam apenas os atores e sotaques.
O desenvolvimento em curso na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal, entre outros lugares, privilegia apenas uma camada pequena da população. Os lucros advindos da implantação de grandes empreendimentos permanece concentrado na mão de poucos, enquanto o prejuízo é dividido por todos. Vale lembrar o exemplo de municípios como Coari (AM) e São Francisco do Conde, no Recôncavo Baiano, ricos em royalties do petróleo e derivados, mas com baixo índice de desenvolvimento humano.
Esse pragmatismo exacerbado, de que são necessários perder os peões para se ganhar uma partida de xadrez, é muito triste. Ainda mais vindo de pessoas que diziam que peões eram mais importantes que reis até alguns anos atrás.
* Publicado originalmente no Blog do Sakamoto.